STJ reestabelece sentença que condenou o Cruzeiro a pagar R$ 300 mil em razão de termo de compromisso firmado por diretor geral que não tinha poderes para negociar comissão de 30%.
Autor: Augusto Pacheco
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, reestabelecer sentença que condenou o Cruzeiro Esporte Clube (Cruzeiro) ao pagamento do valor de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) por indicação de atleta formado nas categorias de base do clube, em acórdão de Relatoria do Saudoso Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, acompanhado dos Exmos. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente), Marco Aurélio Bellizze e Nancy Andrighi, por dar provimento ao Recurso Especial nº 1.902.410 – MG (2019/0215802-0).
O julgamento em questão apreciou o Recurso Especial interposto na Ação de Cobrança movida contra o clube de futebol, que tinha como objeto Termo de Compromisso assinado, no ano de 2003, pelo Diretor Geral de Futebol de Base do clube com empresa gerenciadora de carreira de atletas profissionais. O Termo de Compromisso previa que a empresa gerenciadora teria direito ao recebimento de 30% do valor líquido em caso de transação futura do atleta (direitos econômicos), limitado ao valor máximo de R$ 300.000,00 (trezentos mil reais).
Ocorreu que, com a venda do atleta para o Clube de Regatas Vasco da Gama (Vasco da Gama), no ano de 2011, que pagou R$ 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil reais) por 50% dos direitos econômicos do atleta, o Cruzeiro não realizou o repasse da porcentagem prevista no Termo, por entender que o documento havia sido assinado por funcionário sem poderes para representar o clube, conforme previsão do seu Estatuto Social, sendo, portanto, inválido o negócio jurídico firmado.
Ao apreciar a demanda, o Saudoso Ministro Relator entendeu que, amparado pela Teoria da Aparência, o Termo de Compromisso firmado era válido e a comissão era devida à empresa gerenciadora pelo clube de futebol.
Amparado pelo Enunciado nº 145 da III Jornada de Direito Civil, o Ministro Relator entendeu que a vinculação da pessoa jurídica apenas a atos dos seus administradores, disposta no art. 47 do Código Civil, não afasta a aplicação da Teoria da Aparência, que, no caso, seria perfeitamente aplicável, porque o termo de compromisso teria sido assinado por diretor geral do departamento responsável por jovens atletas, cujos direitos econômicos estavam sendo negociados, mesmo que não detivesse poderes para tanto.
No entendimento adotado, se o signatário do termo de compromisso não detinha poderes para representar o clube no negócio, ele ao menos aparentava tê-los, sendo imperiosa a proteção da legítima confiança gerada na parte contratante. Além disso, seria vedado ao clube alegar qualquer nulidade do Termo, pois teria se aproveitado deste ao ter formado o atleta em sua categoria de base e posteriormente o vendido ao Vasco da Gama por valores milionários, sendo revertido o negócio jurídico em favor próprio.
Portanto, em vedação ao comportamento conflitante, contrário à boa-fé objetiva, não poderia o clube tentar impor a empresa gerenciadora observância de norma prevista em seu Estatuto Social que foi por ele próprio descumprida.
Este julgamento coaduna com precedentes recentes da Corte Superior, que vêm entendendo que, em razão da boa-fé de terceiro e da teoria da aparência, são válidas as obrigações assumidas pelas pessoas jurídicas, relacionadas com seu objeto social, mesmo quando firmadas não exatamente por aqueles representantes designados pelos estatutos sociais.
Da decisão proferida pelo STJ ainda cabe a interposição de recursos pelas partes, impedindo o trânsito em julgado e efeitos da coisa julgada de plano. Todavia, a decisão é de extrema relevância para o cenário empresarial, e não só desportivo, oportunizando fortes discussões entre estudiosos do direito a respeito de seus efeitos e aplicações em negócios jurídicos de diferentes áreas.