Costumeiramente, são noticiadas informações sobre recalls dos mais diversos produtos. Alguns recolhimentos (recall), em especial, geram alarde, preocupação e questionamentos. É o caso dos recalls de medicamentos.
Autores: Luciano Timm, Danielle Bittencourt e Jacqueline Salmen Raffoul
Costumeiramente, são noticiadas informações sobre recalls dos mais diversos produtos. Alguns recolhimentos (recall), em especial, geram alarde, preocupação e questionamentos. É o caso dos recalls de medicamentos. A finalidade do recall é a proteção dos consumidores, para que não sejam expostos a riscos de remédios que possam ocasionar danos à saúde ou segurança. No entanto, o desafio que se impõe é: como realizar o recall eficaz e eficiente de medicamentos em um ambiente de insegurança jurídica provocada por regulações e órgãos que não conversam entre si?
Explica-se. Sabidamente, o mercado tem falhas e a regulação surge para corrigir essas falhas de mercado. A segurança é uma delas. Como bem explicado pelo economista Ackerlof, a regulação surge para corrigir assimetrias informais e evitando que produtos ruins e inseguros dominem o mercado. O recall entra justamente aí.
Nessa esteira, o recall de medicamentos consiste na retirada de circulação do produto que possa colocar o consumidor em risco. Sabe-se que todo medicamento pode gerar efeitos adversos, em maior ou menor grau, conforme suas características específicas, devidamente previstos na bula. No entanto, os riscos que motivam o recall devem ser acima do esperado, de modo que possam comprometer a saúde ou a segurança dos consumidores e potencialmente que invertam a equação de custo-benefício da comercialização de um medicamento.
O problema é que, no Brasil, diferentemente da maioria dos demais países do mundo, a regulação e compartilhada e não bem delineada entre dois órgãos. Com efeito, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) têm competência para regular os recalls de medicamentos, mas os procedimentos e requisitos são distintos, sendo a primeira mais detalhada e técnica sobre as situações de recolhimento e, a segunda pautada, por regra com maior grau de vagueza semântica e, portanto, maior indeterminação. O desafio que uma empresa tem ao proceder com o recall é atender ao disposto na regulação da Anvisa e no procedimento da Senacon quando em situações limite esse regramento entra em aparente contradição sem que as autoridades públicas esclareçam o mercado critérios objetivos de solução desse problema.
Assim, no âmbito da Senacon, os recalls devem seguir o disposto no Código de Defesa do Consumidor (CDC) e, de forma mais específica, na Portaria n. 618/2019, que disciplina o procedimento de recall na Senacon[1]. Já na Anvisa, o recolhimento deve observar a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) n. 625/2022[2], que substituiu a RDC n. 55/2005 e estabeleceu os requisitos do procedimento referente aos medicamentos. A diferença relevante entre as normas da Senacon e da Anvisa está na categorização dos riscos decorrentes do desvio e, por conseguinte, o procedimento a ser adotado.
De outra parte, sendo o caso de recolhimento, as informações requeridas pela Senacon, para a comunicação aos consumidores sobre o recall, são mais detalhadas do que o disposto na regulação da Anvisa e alinhadas com as normativas da OCDE sobre o tema de consumidor. Por exemplo, a Senacon claramente estabelece os requisitos da mensagem, enquanto a Anvisa apenas determina que deve haver mensagem de alerta, além de exigir indutores comportamentais para o atendimento da campanha de recolhimento (deve-se atendar, por exemplo, para que não se crie ambiente de pânico nos consumidores, que podem deixar de ingerir medicamentos essenciais a sua sobrevivência).
Ainda, ao comunicar o recolhimento, é fundamental ter a cautela para evitar que os consumidores se assustem com os riscos. O alarde desmotivado pode levar ao abandono do tratamento, gerando prejuízo ainda maior ao paciente. Por outro lado, o comunicado deve ter a clareza suficiente para comunicar os riscos existentes, evitando o consumo de produto que, sabidamente, está fora das especificações.
Em comum e observadas as especificidades de cada regulação, os procedimentos instituem mensagens a serem veiculadas aos consumidores, que devem ser claras e adequadas, especialmente quanto aos seguintes fatores: (i) riscos de periculosidade/ nocividade; (ii) medidas preventivas e corretivas; (iii) meios de atendimento aos consumidores; (iv) como o recall irá ocorrer.
Todavia, o melhor caminho para um recall eficiente e eficaz seria que Anvisa e Senacon emitissem uma Nota Técnica sobre a compatibilização de campanhas de recall, especialmente as hipóteses de recolhimento e seus requisitos específicos para medicamentos.
[1] GOV.BR. Portaria n. 618/2016. Disponível em < https://www.gov.br/mj/pt-br/assuntos/seus-direitos/consumidor/defesadoconsumidor/Biblioteca/legislacao-upload/portaria_mjsp_n-_618_2019.pdf>. Acesso em 20 mar 2024.
[2] ANVISA. RDC n. 625, de 9 de março de 2022. Disponível em < http://antigo.anvisa.gov.br/documents/10181/6407711/RDC_625_2022_.pdf/3413d4ad-5043-4920-bb8e-5391a0a360e8>. Acesso em 20 mar 2024.
Fonte de Apoio: Consumidor Moderno