O Contrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC) promete revolucionar o mundo dos Investimentos. Saiba como essa inovação pode transformar o cenário econômico atual.
Autores: Henrique T. M. Misawa e Amanda Belisario Dias de Souza
O Marco Legal das Startups representou um avanço significativo na legislação empresarial recente. Desde sua implementação em 2021, a Lei Complementar nº 182 proporciona definições claras, princípios sólidos e diretrizes essenciais para o empreendedorismo no Brasil, suprindo uma demanda por segurança jurídica que há muito tempo limitava a atração de novos investimentos.
Entre as várias formas de apoio às startups brasileiras, o Marco Legal apresenta uma lista exemplificativa de instrumentos jurídicos para o desenvolvimento de tais tipos de negócios, que inclui contratos com opções de compra, sociedades em conta de participação e o contrato de mútuo conversível em quotas sociais, este último sendo amplamente utilizado como fonte de captação.
Embora tais contratos já fossem comuns nos negócios antes da promulgação do Marco Legal, sua definição legal traz consigo um conjunto de princípios que auxiliam na interpretação e reduzem a percepção de risco em caso de eventuais conflitos contratuais. A previsibilidade resultante aumenta a segurança jurídica, diminuindo riscos e incentivando, pois, mais atividades empresariais.
O mútuo conversível se destaca como o instrumento contratual mais comum para o financiamento de startups em estágios iniciais no Brasil. Esse tipo de contrato estabelece as seguintes alternativas: (i) o pagamento da dívida na data de vencimento, ou (ii) a conversão do investimento em capital social da startup; conforme a escolha do investidor ou a ocorrência de eventos específicos no futuro.
Existem duas razões principais para a prevalência do mútuo conversível nesses casos. Primeiro, oferece uma maneira para os investidores evitarem possíveis responsabilidades por dívidas da empresa. Embora o princípio de limitação da responsabilidade e da separação patrimonial sejam vigentes no Brasil, não é incomum que sócios sejam responsabilizados diretamente por dívidas da sociedade. O artigo 8º do Marco Legal das Startups, ao isentar expressamente os investidores de responsabilidade por dívidas das empresas em determinadas modalidades de investimento, como o mútuo conversível, age de forma adequada nesse sentido Segundo, dispensa as partes de fixarem o valuation da startup no momento da realização da rodada de investimento em estágio inicial, já que as elas possuem poucos recursos para a sua precificação.
Contudo, o contrato de mútuo conversível acaba não sendo o instrumento mais adequado à dinâmica do mercado das startups, em razão da sua natureza de dívida.[1]
No sistema tributário brasileiro, há alguns pontos de ineficiência que afetam os investimentos realizados por meio de mútuo conversível. Especificamente, tanto o perdão de uma dívida, no caso de o mútuo não ser convertido em participação societária, quanto o potencial ganho do investidor ao converter o investimento estão sujeitos à tributação. Essas ambiguidades e ineficiências fiscais criam um ambiente de incerteza jurídica, desencorajando os investimentos em startups em estágios iniciais. Essas empresas já enfrentam naturalmente um alto nível de risco e volatilidade, e a falta de clareza tributária apenas amplia esses desafios.
O surgimento do Projeto de Lei Complementar (PLC) nº 252, de 2023, de autoria do Senador Carlos Portinho, reflete um interessante desenvolvimento legislativo. Este projeto propõe modificações à Lei Complementar nº 182, de 1º de junho de 2021, acrescentando um novo contrato aos instrumentos legalmente reconhecidos pelo Marco Legal das Startups.
Trata-se do Contrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC), uma iniciativa que, embora se assemelhe ao contrato de mútuo conversível, parece trazer avanços tanto para os investidores quanto para as empresas que recebem os investimentos. A seguir, veja a nova redação:
“Art. 5°-A. Fica instituído o contrato de investimento conversível em capital social (CICC), por meio do qual o investidor, residente no País ou não, pessoa física, jurídica ou fundo de investimento, transfere recursos conversíveis em capital social à startup.
§ 1° A conversibilidade do investimento em capital social observará os critérios estabelecidos pelas partes no contrato.
§ 2° O CICC não possui natureza de dívida, independentemente do seu tratamento contábil.
§ 3° Não produzem quaisquer efeitos tributários para o investidor ou para a startup:
I – a extinção do CICC; ou
II – ajustes requeridos pela legislação comercial ou contábil, para atualização do saldo do CICC até a sua extinção.
§ 4° Para fins tributários, o investidor deverá reconhecer o montante originalmente transferido por meio do CICC, em moeda.”
Um problema comum observado na prática dos contratos de mútuo conversível é a tendência à descapitalização das startups, caso os investidores optem por receber o valor emprestado em vez de convertê-lo em capital social. Isso pode expor a startup a riscos operacionais se não houver um planejamento estratégico adequado.
O novo contrato proposto visa modificar essa dinâmica devedor-credor, comum nos contratos de mútuo, oferecendo uma alternativa mais equilibrada para ambas as partes.
Uma questão frequentemente debatida no contexto dos investimentos de venture capital é a tributação das operações de mútuo e conversão do crédito em quotas sociais. O PLC nº 252, se aprovado, proporcionaria maior clareza quanto ao tratamento tributário desses contratos.
A proposta visa adiar a apuração do ganho de capital do investidor no caso do Contrato de Investimento Conversível em Capital Social (CICC) até o momento da alienação das quotas sociais ou ações da startup. Isso representa uma evolução significativa para o ambiente de investimentos em startups.
O projeto foi aprovado pelo Plenário e remetido à Câmara dos Deputados para revisão, nos termos do art. 65 da Constituição Federal. Embora ainda não sancionado, o projeto representa um passo importante para aprimorar o ambiente de negócios para startups e investidores. Em um contexto de incerteza, a criatividade jurídica se torna essencial para atender às necessidades do mundo empresarial e desenvolver alternativas que promovam o crescimento responsável.
[1] https://legis.senado.leg.br/sdleggetter/documento?dm=9517197&ts=1713467580001&disposition=inline