PERSE, o tema do momento - CMT Adv - Carvalho, Machado e Timm Advogados
Pular para o conteúdo
Início » PERSE, o tema do momento

PERSE, o tema do momento

Por Luisa da Cunha Cardoso

No mundo empresarial, não se fala em outra coisa: o benefício que reduziu a zero, por 5 anos (sim, cinco!), as alíquotas de todos os tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS) incidentes sobre a operação de empresas do setor de eventos e turismo – responsáveis por 4,5% e 8% do PIB brasileiro, respectivamente –, cujo impacto sofrido durante a pandemia foi enormemente significativo.

O PERSE, isenção criada pela Lei nº 14.148/2021, como muitas outras surgidas nos últimos dois anos, nasceu com o objetivo de compensar os efeitos decorrentes das medidas de isolamento ou de quarentena realizadas para enfrentamento da pandemia da Covid-19. O que parecia fôlego para o mercado, contudo, transformou-se em custo com assessorias jurídicas e contábeis, contingenciamento e, em muitos casos, judicialização da matéria, em razão das normas editadas desde 2021 para a regulamentação do incentivo.

Isso porque ficou à cargo do Ministério da Economia publicar os códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que, se exercidos direta ou indiretamente pela pessoa jurídica, a classificariam como integrante do setor de eventos ou turismo e, portanto, beneficiária da isenção, nos termos da própria Lei nº 14.148/2021 (art. 2º, §1º). A primeira norma editada imediatamente após a publicação da Lei, portanto, foi a Portaria nº 7.163/2021 do Ministério da Economia, que tratou de relacionar os CNAEs aplicáveis e, para a surpresa de muitos, de trazer também duas limitações temporais importantes ao gozo do benefício.

Para o setor de eventos, a Portaria determinou que só se beneficiariam do PERSE as empresas que já estivessem exercendo as atividades relacionadas na data da publicação da Lei nº 14.148/2021, significando que qualquer empresa do setor constituída após maio de 2021, afetada ou não pela Pandemia, estaria fora do programa. Para o turismo, de outro lado, a Portaria criou uma exigência de que, na data da publicação de lei, as agências e operadoras já estivessem com cadastro regular perante o Ministério do Turismo (Cadastur), significando, novamente, que qualquer empresa com cadastro posterior a maio de 2021 não poderia se beneficiar das reduções legais.

Naturalmente, a essa altura, ações já se acumulavam no judiciário para discutir as referidas limitações, sob o fundamento de que as normas infralegais usurparam sua competência, inovando em exigências que a Lei nº 14.148/21 sequer havia mencionado. Para se ter uma ideia, só entre os meses de junho e outubro de 2022, mais de 100 (cem) ações já estavam em tramitação no TRF da 4ª região para discutir o tema, sem considerar todos os demais tribunais regionais que receberam demandas da mesma natureza.

Não obstante, em 1º de novembro de 2022, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa nº 2.114/22 com a finalidade de regulamentar o benefício, ou seja, de orientar os procedimentos para a efetiva aplicação do PERSE. Novamente, surgiram debates fervorosos a respeito da norma, à medida que, assim como fez a Portaria do ME, a IN trouxe requisitos inéditos ao gozo da isenção. O texto da norma chama atenção logo no parágrafo único do seu art. 2º, que restringe o benefício às receitas operacionais da empresa, excluindo expressamente do benefício as receitas financeiras, além de receitas e resultados não operacionais. A inovação é clara: a IN vem para restringir o benefício a determinadas receitas, enquanto a lei direcionou a isenção ao resultado das pessoas jurídicas do setor, apenas exigindo que exerçam, direta ou indiretamente, as atividades descritas – vale dizer, sem qualquer restrição à aplicação do benefício à determinadas receitas. Outra inovação polêmica foi a não aplicação do benefício às empresas do Simples Nacional (art. 4º, parágrafo único).

Mas as tentativas de mitigar a perda de arrecadação gerada pelo PERSE não pararam por aí: mais recentemente, foi editada a Medida Provisória (“MP”) nº 1.147/2022 (ainda não convertida em lei, mas já aplicável), que, dentre outras mudanças, alterou a Lei nº 14.148/21 para prever a publicação de novo ato do Ministério da Economia para disciplinar a utilização e fruição do benefício fiscal. Esse ato foi a Portaria ME nº 11.266/2022, publicada em 2 de janeiro de 2023, que instituiu uma nova lista de códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) abrangidos pela redução, mantendo apenas 38 dos 88 códigos anteriormente beneficiados.

E, neste ponto, já tivemos uma novidade recente a nível judicial. No dia 06 de março, o TRF3 decidiu por suspender os efeitos da Portaria ME 11.266/2022, em sede de Mandado de Segurança Coletivo impetrado pela ABRAFESTA – Associação Brasileira de Eventos, significando dizer que os efeitos da decisão beneficiam todos os associados (afiliados antes ou depois do ajuizamento), ou mesmo parte deles cuja situação jurídica seja idêntica àquela tratada no julgado. De todo modo, cabe pontuar que a decisão ainda é precária, podendo ser reformada pela Corte.

Em paralelo, a resistência da Receita Federal continua: também em março, a RFB referendou das restrições trazidas na Instrução Normativa 2.114/2022 por meio das Soluções de Consulta COSIT nº 51 e 52 COSIT, da Receita Federal, o que apenas sugere o crescimento da litigiosidade no tema.

Fato é que, desde o início dessa odisseia, os números de casos ajuizados para atacar as limitações impostas cresceu para 230 somente no TRF da 4ª região, lembrando que esse número representa somente as ações já analisadas em segundo grau, desconsiderando todos os processos que ainda estão sob análise do juízo originário para concessão (ou não) de pedido liminar. Esses, certamente, são ainda maiores, alcançando ao menos 2.000 (duas mil) decisões em todas as regiões da Justiça Federal.

Apesar de significativos, esses números não surpreendem. Isso porque as limitações impostas à fruição do benefício, a depender do caso concreto, realmente vêm prejudicando empresas dos setores que deveriam ser beneficiados pelo incentivo, contrariando o espírito da lei. As Cortes Superiores, a quem cabe a última palavra em matérias como essa, vêm há algum tempo solidificando sua jurisprudência no sentido de que os atos normativos de natureza administrativa que visam regulamentar normas gerais e abstratas têm como função a complementação da disciplina contida em lei, sendo vedado extrapolar os limites da legislação em sede de ato administrativo, sob pena de ofensa ao princípio da reserva legal (art. 5º, II, c/c art. 150, I, ambos da CF/88, e art. 97 c/c art. 99 do Código Tributário Nacional).

Foi exatamente esse o fundamento que conduziu à validação, pelo STJ e STF, das decisões que declararam a ilegalidade de atos como a (i) Portaria MF nº 156/99, que alterava a faixa de isenção determinada por lei para remessas ao exterior (5017388-79.2015.4.04.7201); (ii) o Memorando Circular nº 20110078812/CGAMM, que excluiu o AFRMM do Regime Aduaneiro de Admissão Temporária, aplicável sobre todos os tributos incidentes na importação (5005556-20.2013.4.04.7201);  (iii) a IN RFB nº 971/09, que exigiu a indicação do código FPAS nos atos de recolhimento para o gozo da isenção de contribuições a terceiros (5001163-02.2018.4.03.6103) e (iv) a IN/SRF nº 30/95, que  impôs a apresentação da CNH para que o contribuinte auferisse o benefício legal relativo à incidência do IPI sobre veículos comprados por deficientes físicos (1004752-67.2018.4.01.3600), e muitos outros.

Como se vê, portanto, há sólidos fundamentos para sustentar, perante o judiciário, a ilegalidade de requisitos impostos por normas infralegais editadas para regulamentar a Lei nº 14.148/2021, cujo objetivo limita-se, ao menos em tese, a viabilizar o cumprimento da lei, e não obstá-lo, principalmente quando esse óbice contraria a própria intenção do legislador ordinário que, nesse caso, é a de trazer um – merecido – respiro às empresas do setor de eventos e turismo.

Leia Também:

O CMT Advogados ocupa posição de destaque e de liderança na área de direito empresarial, com uma crescente presença e distinção nos principais centros de negócios do país, sendo reconhecido pelas principais publicações nacionais e internacionais de rankings de escritórios de advocacia, tais como Chambers & Partners, Legal 500, Análise Advocacia e Chambers & Partners como um dos melhores escritórios de advocacia do Sul em direito empresarial.

Reconhecimentos

Design sem nome (18)