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O “S” de ESG: Breve Reflexão sobre o Papel da Responsabilidade Social

A importância do movimento ESG (Environmental, Social and Governance) e como a letra “S” (Social) é muitas vezes menos abordada do que as outras duas, destacando, sobretudo, a responsabilidade social das empresas. Leia mais!

Autor: Henrique T. M. Misawa

Não é de hoje que ouvimos falar no movimento ESG (ou ASG) como uma onda impactando as empresas em nível mundial. O racional é simples: em um mercado voltado cada vez mais aos stakeholders ao invés de apenas visar os shareholders, uma das maneiras de criar valor para a empresa é investir em iniciativas voltadas para o meio ambiente, responsabilidade social e governança.[1] Não obstante, é evidente que a implementação prática de tais políticas requer diversos cuidados: (i) planejamento adequado das ações a serem tomadas pelas empresas, bem como o comprometimento da administração e dos colaboradores das empresas, e (ii) parâmetros legislativos adequados para criar os incentivos corretos, seja via hard law ou soft law, de forma a mitigar o greenwashing e desenvolver o apetite dos investidores em dedicar recursos a empresas que se adequam às iniciativas ESG.

 Neste curto artigo, são pontuados alguns aspectos sobre o “S” de ESG, que parece ser, historicamente, a letra mais timidamente abordada. O “E” representa ambiciosas iniciativas para salvar o planeta como a criação de um mercado de carbono, grandiosos projetos de energia renovável, pesados investimentos em P&D para o desenvolvimento de produtos sustentáveis etc. Já com relação ao “G”, há uma sólida prática de estruturas corporativas com conselheiros de administração independentes, comitês e conselho fiscal, culminando no Código de Boas Práticas de Governança Corporativa do IBGC, por exemplo. Mas… e o “S”?  

A Responsabilidade Social

          Apesar de menos comentada, a questão da responsabilidade social das empresas é de extrema importância. Como já mencionado, e principalmente devido à pandemia da COVID-19, o mercado foca cada vez mais em seus stakeholders, ou seja, existe a necessidade de se investir no bem-estar das pessoas sejam elas colaboradores, clientes, fornecedores ou até mesmo aqueles que se encontram na comunidade no entorno das empresas. Na realidade, a preocupação com a responsabilidade social das empresas é tão relevante quanto as questões ambiental e de governança. Basta verificarmos os princípios da teoria da função social da empresa dispostos no art. 170 da Constituição Federal[2], nos arts. 116[3] e 154[4] da Lei das S.A. e art. 47[5] da Lei de Falência e Recuperação Judicial.

          Apesar de o conceito de responsabilidade social ser extremamente amplo, visando primordialmente a criação de um bem-estar social, podemos destacar alguns dos principais tipos de iniciativas:

  • Promoção da igualdade de gênero, cor, raça, orientação sexual dentre os colaboradores;
  • Ampliação da diversidade dentre os colaboradores;
  • Programas de voluntariado para o desenvolvimento da comunidade;
  • Programas de melhoria do ambiente de trabalho, inclusive manutenção da saúde física e mental dos colaboradores;
  • Treinamentos para o desenvolvimento acadêmico e profissional dos colaboradores;
  • Cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) voltados ao “S”, tais como erradicação da pobreza, saúde e bem-estar, educação de qualidade etc.;
  • Programas de proteção dos dados de colaboradores, fornecedores e clientes;
  • Tomadas de decisões empresariais levando em consideração eventuais impactos sociais além dos econômicos; e
  • Treinamentos junto a clientes e fornecedores para a adoção de medidas voltadas à responsabilidade social.

Nesta toada, podemos destacar algumas empresas que já possuem programas de responsabilidade social.

A Via (antiga Via Varejo), por exemplo, por meio do Programa Casas Bahia na Comunidade fornece “Apoio aos empreendedores para que fortaleçam seus negócios, contribuindo ativamente para o desenvolvimento local e ampliação das possibilidades de inclusão dos cidadãos na sociedade por meio de projetos de capacitação para micro empreendedores de regiões periféricas”.[6] Ademais, a empresa realiza diversas campanhas de sensibilização para integração de seus colaboradores: Baobá (equidade racial), Via Prisma (LGBTQIA+), Talentos sem Limites (pessoas com deficiência) e Viabiliza (gênero).[7]

          O BV também possui iniciativas neste sentido. Apoia o Programa Parceria pela Educação conduzido pelo Instituto Votorantim, financia projetos de incentivo a esportes etc. Além disso, possui o “Compromisso 2030”, que é uma lista de metas, dentre elas atingir 50% de cargos de liderança ocupados por pessoas que se identifiquem com o gênero feminino e garantir a participação de 35% de negros no quadro de colaboradores.[8]

Os Desafios na Implementação de Medidas de Responsabilidade Social

A implementação de medidas ESG, de modo geral, possui entraves que podem tornar ineficientes as ações das empresas ou até mesmo desincentivá-las totalmente a tomarem iniciativas ESG.

O primeiro desses entraves é a questão do potencial alto custo financeiro em curto e médio prazo que as empresas podem incorrer. Em termos econômicos e de comportamento humano, é difícil convencer, a priori, os acionistas e a administração a investir quantias em projetos que podem não produzir retornos imediatos, ou seja, há uma impressão geral de que os custos de transação seriam demasiadamente altos vis-à-vis o risco de retorno. Ainda, há falta de regulação ao redor do globo para padronizar (ou conceder ferramentas de comparação) a avaliação de medidas ESG, ocasionando assimetria de informações, greenwashing, desconfiança de investidores e, portanto, sludges[9] na geração de riquezas. Isto pode resultar na inação ou implementação de ações ou programas sem interconectividade lógica, que acabam gerando menos ou nenhum resultado efetivo.

O segundo consubstancia-se na extrema dificuldade de mudar a cultura da empresa pela falta de engajamento da administração e dos colaboradores em aprovar e aderir a uma nova realidade sustentável. Não basta que a empresa apresente políticas/regulamentos internos ESG. É necessário que as atitudes/comportamentos das pessoas se adequem às regras dispostas em tais políticas.

O terceiro é verificando quando (e este ponto é uma dificuldade mais específica para as iniciativas do “S”) projetos visando a sustentabilidade ambiental e a governança tendem a produzir melhores resultados em termos de marketing e mudança favorável de opinião pública sobre a empresa. Isto pois, o objeto e as soluções para questões ambientais tendem a ser mais objetivos, comparáveis e mensuráveis, e.g., despoluir um rio mediante o tratamento dos resíduos produzidos por determinada empresa. Além disso, questões de governança transcendem indústrias, sendo aplicáveis de modo mais ou menos uniforme entre empresas de diversos setores. Porém, de outro lado, medidas de responsabilidade social possuem escopo mais genérico, métricas de resultados menos comparáveis e variam muito a depender do tamanho e da atividade de cada empresa. Isto fica bem ilustrado no estudo ESG do BNP Paribas de 2021 em que 51% das 356 empresas entrevistadas denotaram que as questões do “S” são as mais desafiadoras devido à dificuldade de obtenção de dados sobre o assunto, bem como a falta de estandardização das métricas sociais. Finalmente, outros fatores de influência são a urgência das mudanças climáticas e a preocupação com a governança após a crise de 2008.[10]

Como tornar o “S” de ESG mais efetivo?

Para que possamos diminuir os custos de transação e de agência e tornar o “S” de ESG mais efetivo, devemos contar com medidas públicas e privadas.

Da perspectiva do governo, há a necessidade de regulamentação adequada. Deve-se considerar que o regramento demasiado pode acarretar imensos custos de implementação de medidas ESG em conformidade com eventuais regras impostas, bem como excessivas obrigações de supervisão. Não obstante, uma regulamentação que não define parâmetros mínimos de comparação de medidas ESG na divulgação de informações ao mercado e certas consequências ao seu descumprimento não agrega à diminuição de assimetria de informação e greenwashing. Dessa perspectiva regulatória, pode-se observar boas iniciativas como as Resoluções 59 e 175 da CVM em conjunto com o Ofício SEP 2022, bem como o Projeto de Lei 1817/2022, que busca adequar a Lei das S.A. a padrões ESG. No âmbito privado, na mesma linha da regulamentação governamental, temos algumas iniciativas de autorregulação, como os selos e guias ESG da Anbima.

Além da questão da regulamentação, as empresas devem refletir e realizar estudos de planejamento para escolher as melhores iniciativas tendo em vista o custo, o tamanho, a atividade, as prioridades e a cultura de cada empresa. Há maneiras de aliar medidas ESG com a redução de despesas ou aumento do lucro. Por exemplo, é possível aumentar a produtividade e reter colaboradores ao melhorar o ambiente de trabalho e sua saúde. Outra possibilidade é abrir o leque para novos negócios como no caso do Projeto Shakti da Unilever na Índia em que mulheres de pequenas vilas são capacitadas e financiadas para a venda de produtos Unilever de porta em porta. Isto expandiu o acesso da empresa a um mercado alienado e de difícil acesso ao mesmo tempo em que está movimentando e desenvolvendo a economia local.[11]

Outra questão importante é a mudança cultural da empresa. Para tanto, entre as medidas que podem ser tomadas, temos o engajamento direto da alta administração[12], o desenvolvimento de uma comunicação interna mais humanizada, a preocupação com os colaboradores com relação ao ambiente de trabalho e à sua qualidade de vida e a efetiva inclusão de diversidade entre os colaboradores.

Conclusão

Apesar dos grandes desafios envolvendo o mundo ESG, o mercado e o governo têm plena capacidade de suprir as demandas e o anseio da sociedade por um ambiente produtivo mais sustentável, ao passo que também o torna competitivo. O desenvolvimento de novas tecnologias e produtos, bem como a mudança cultural da visão da sociedade trarão ferramentas inéditas para a implementação do ESG. Nesse sentido, deve-se sempre ter em mente que ESG é uma jornada e não um destino, ou seja, há sempre espaço para aperfeiçoamentos, sendo que o importante é o esforço para gerar inovações em soluções de forma a melhorar a economia e a sociedade.


[1] De acordo com o relatório GRI 2020, houve um investimento de US$ 35,3 trilhões em empresas com iniciativas ESG nos 5 maiores mercados analisados no relatório (Austrália, Canadá, EUA, EU e Japão). Isto significa um aumento efetivo de 55% na comparação entre 2016 e 2020. De acordo com a Bloomberg Intelligence, este valor pode ultrapassar US$ 41 trilhões em 2022. Disponível em: <https://www.bloomberg.com/company/press/esg-may-surpass-41-trillion-assets-in-2022-but-not-without-challenges-finds-bloomberg-intelligence/>. Acesso em: 18 abr. 2023.

[2] “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: (…)

III – função social da propriedade; (…)”  

[3] “Art. 116. (…) Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.”

[4] Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa.”

[5] “Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”

[6] Disponível em: <https://gife.org.br/associados/fundacao-casas-bahia/>. Acesso em: 18 abr. 2023.

[7] Disponível em: <https://distrito.me/blog/esg-praticas/>. Acesso em: 18 abr. 2023.

[8] Disponível em: <https://www.bv.com.br/resources/arquivos/bv-leveparaofuturo-14-05.pdf>. Acesso em: 18 abr. 2023.

[9] Termo utilizado pelos ganhadores do Prêmio Nobel, Richard H. Thaler e Cass R. Sunstein, em seu livro “Nudge: The Final Edition” para identificar barreiras e processos desnecessários que impedem resultados desejados.

[10] Disponível em: <https://corpgov.law.harvard.edu/2020/06/28/time-to-rethink-the-s-in-esg/>. Acesso em: 18 abr. 2023.

[11] Disponível em: <https://hbr.org/2015/01/the-truth-about-csr/>. Acesso em: 18 abr. 2023.

[12] Diversas empresas têm atrelado o pagamento de bônus a administradores e funcionários ao atingimento de metas ESG, por exemplo, Mastercard, Yduqs, Ambev etc.

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