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Morte dos créditos ICMS sobre combustíveis?

Por Eduardo Pires Santana

A responsabilidade tributária assume diversas facetas em nosso ordenamento, dentre elas, a apuração monofásica, que consiste na concentração da tributação que incidiria na cadeia produtiva em apenas um dos agentes, geralmente o fabricante ou importador, aplicando-se alíquota ad rem mais elevada que a percentual sob a base de cálculo desse contribuinte.

Tal forma de tributação fora incluída na dinâmica do ICMS sobre combustíveis por meio do Convênio ICMS 199, de 22 de dezembro de 2022, e do Convênio ICMS 15, de 31 de março de 2023. Acordos interestaduais estes que dispõem sobre o Biodiesel B100; Óleo Diesel A; Óleo Diesel B; GLP; GLGN nacional e importado; as Gasolinas A e C; e o Etanol Anídro Combustível.

Passaram a sujeitar-se à monofasia desses carburantes: o produtor nacional de biocombustíveis, a refinaria de petróleo e suas bases, a central de matéria-prima petroquímica, o formulador de combustíveis e o importador. Entendemos que assim o Fisco escolheu porque, da mesma forma que no regime monofásico do PIS e da COFINS sobre máquinas e autopeças, julgou que o número de fabricantes dessa cadeia e o capital humano e financeiro por eles denotados os faria mais capacitados a assegurar o cumprimento das obrigações principais e acessórias com o menor custo fiscalizatório.

No entanto, a análise que queremos empreender aqui não diz respeito à razoabilidade do sistema, critério de escolha do sujeito passivo ou da materialidade, mas sim ao creditamento que da monofasia sobre combustíveis pode se erigir. Nesse sentido, os Convênios de ICMS antes mencionados trazem em suas cláusulas 17ª a vedação (sob a alegação de incompatibilidade da nova dinâmica à creditabilidade padrão), aos contribuintes, da apropriação de créditos das operações e prestações antecedentes às saídas dos carburantes, qualquer que seja a sua natureza, e a ordem de estorno dos créditos na proporção da saída das mercadorias.

Vemos essa vedação com maus olhos porque o legislador parece se esquecer que a Constituição Federal consagra em seu Art. 155, §2º, I que o ICMS é um imposto essencialmente não cumulativo, significa dizer, que sob hipótese alguma – senão ressalvada emenda constitucional – há a possibilidade de restrição ao direito do contribuinte de creditar-se do tributo pago anteriormente na cadeia com o fim de evitar o “tributo sobre tributo”. Portanto, a manutenção dessa redação das cláusulas irrompe com o preceito constitucional.

Ademais, em uma análise econômica, percebemos que a vedação aos produtores nacionais e demais contribuintes se comporta como favorecimento do produto internacional, já que, em tese, não contam com dispêndios nacionais que antecedam sua saída e reduzam seu lucro. Comportamento esse proibido pela Carta Magna desde 1995 após a edição da Emenda Constitucional de nº 6, que retirou de seu texto o Art. 171, que previa favorecimento do empresariado brasileiro, pondo fim a qualquer disparidade de tratamento entre o nacional e o estrangeiro. Isto posto, entendemos, por mais um motivo, inconstitucional a proibição.

Por fim, mas não menos importante, apesar de já compreendido o possível favorecimento dos agentes internacionais, vislumbra-se desequilíbrio concorrencial até mesmo entre os produtores/fabricantes nacionais, de modo que aqueles que não consigam contrabalancear o decréscimo de créditos venham a ter suas atividades prejudicadas demasiadamente e se vejam diante de um cenário de esgotamento de recursos financeiros, da fonte pagadora de obrigações e tributos e geradora de postos de trabalho. Sob esse espectro, cremos em maiores prejuízos aos biocombustíveis, vez em que se trata de um mercado que conta com maior número de pequenos e médios produtores se comparado aos seus substituídos fósseis, culminando na cessão de posições aos grandes fabricantes e contribuindo para uma oligopolização e atuação firme do CADE.

Digeridas tais considerações, resta o questionamento: Então quem poderá valer-se de créditos sobre o ICMS monofásico? A resposta é dada pelo Convênio ICMS 26, de 14 de abril de 2023, que garante tal direito ao não contribuinte da monofasia dos combustíveis e que tenha, nos carburantes, insumo ao seu processo de fabricação de bens ou prestação de serviços.

Esse acordo interestadual foi ratificado tacitamente e ainda são poucas as Unidades Federativas que, como Minas Gerais, Ceará, Espírito Santo e Pernambuco, internalizaram-no expressamente via Decreto ou dispositivos específicos em seus RICMS. Ademais, mesmo aqueles que o preveem não trazem luz ao método/fórmula a ser utilizada, nem sequer os documentos interessantes a tal fim. Um dos primeiros a fazê-lo e, ainda assim, em Resposta à Consulta, foi o Estado de São Paulo firmando as seguintes premissas:

•        A nota fiscal de aquisição junto aos postos de combustível é o documento competente para informação de todos os quesitos de apropriação de créditos devendo conter: litragem, alíquota ad rem do carburante e o valor de ICMS retido anteriormente;

•        O cálculo para os meses de maio e junho (período de transição) e os casos em que a NF conte com irregularidades deve seguir a fórmula: alíquota ad rem X litragem adquirida X FCV (fator de correção de volume disposto no Ato COTEPE 64/2019); e

•        Nos demais períodos o crédito corresponderá ao valor retido anteriormente.

Apesar disso, não é cediço que as Secretarias da Fazenda das 27 unidades federativas que compõem nossa República serão uníssonas quanto aos critérios e regras básicas de apuração dos créditos, até mesmo porque o CONFAZ, quando pôde, calou-se em delinear os limites da criatividade política e jurídica dos órgãos fiscalizadores.

Compreendemos que o macro cenário de creditamento de ICMS no regime monofásico dos combustíveis será pauta de muitos questionamentos do contribuinte no palco administrativo (Respostas à Consulta e regimes especiais) e judiciário com a participação do contribuinte individualmente ou de entidades de classe como a Confederação Nacional dos Industriais que recentemente levou suas dores ao Supremo Tribunal Federal na intenção de debater e suspender a eficácia do conteúdo das cláusulas 17ª`s dos Convênios 199 e 15.

Compreendemos que esse tema, assim como o primeiro, ainda comporta reformas, nesse caso, representados por maiores esclarecimentos por parte dos órgãos fazendários na forma de normas legais ou soluções de consulta para saneamento da questão.

Importante lembrar que o ICMS é um dos tributos substituídos pelo IBS na Emenda 132, de 20 de dezembro de 2023 (Reforma Tributária), e que começa a sofrer quedas arrecadatórias a partir de 2029 já dentro do Plano de Transição até sua extinção em 2032. Portanto, os contribuintes devem atentar-se aos prazos decadenciais e prescricionais para ajuizamento das questões que julgarem por bem e recuperação dos créditos em face das Fazendas Estaduais delas eventualmente erigidos.

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