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FIARC e o caso CFC

Frente de Avaliação Intensiva Regulatória e Concorrencial vem dando frutos práticos à regulação tradicional no Brasil

A Frente de Avaliação Intensiva Regulatória e Concorrencial (FIARC) vem dando frutos práticos à regulação tradicional no Brasil. Recentemente, tivemos o resultado de “bandeira vermelha” para abuso regulatório no caso do Conselho Federal de Contabilidade (CFC).

Segundo a Secretaria de Advocacia da Concorrência e Competitividade (SEAE), a restrição à publicidade vem sendo usada para criar barreiras à entrada e ao desenvolvimento de empresas que propõem modelos de negócios inovadores no setor de contabilidade. Com isso, o mercado é privado de soluções mais eficientes e de menor custo.

Ao restringir a publicidade, o ato normativo investigado aprofunda a falha de mercado de acesso a informações relevantes por parte dos consumidores. A publicidade é um mecanismo que permite a redução de assimetrias informacionais, desempenhando um papel crucial na viabilização de escolhas melhores e mais bem informadas por parte de consumidores.

A Lei 13.874/19 criou a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica com vistas a preservar a ordem econômica e a livre iniciativa (LLE). O novo diploma estabeleceu em seu art. 4º a figura do abuso de poder regulatório, que consiste em um rol exemplificativo de situações que a Administração Pública deve evitar, no sentido de preservar um ambiente concorrencial.

Com vistas a dar maior previsibilidade e segurança jurídica na interpretação de dispositivos da LLE, foi editada no âmbito da SEAE a Instrução Normativa SEAE 97/20, que estabelece e procedimenta a FIARC. A ligação com a figura do abuso de direito regulatório se refere ao fato de que o programa é orientado pelo rol mencionado anteriormente, elencando exemplos do que seria abuso de poder regulatório, v.g., reserva de mercado (art. 4º); enunciados anticoncorrenciais (art. 5º); entre outros.

Após as investigações realizadas pela SEAE, o FIARC se manifestou pela classificação em bandeira vermelha, evidenciando ato anticompetitivo praticado pelo CFC. Com efeito, especificamente quanto ao caso do CFC, o FIARC foi provocado a se manifestar sobre a prestação de serviços contábeis, em especial, do segmento online por sites e ferramentas oferecidas no mercado.

Pela natureza de orientação, normatização e fiscalização, o CFC é uma Autarquia Especial Corporativa dotada de personalidade jurídica de direito público que tem, dentre suas atribuições, a tarefa de “regular acerca dos princípios contábeis, do cadastro de qualificação técnica e dos programas de educação continuada, bem como editar Normas Brasileiras de Contabilidade de natureza técnica e profissional”, bem como de “decidir, em última instância, os recursos de penalidade imposta pelos Conselhos Regionais” (CFC, 2021).

Notadamente, o CFC possui o seu Código de Ética, indicando as condutas vedadas ao contabilista. Contudo, a Lei de Liberdade Econômica, em seus artigos 4º e 50, indica o dever de evitar o abuso regulatório.

Por acarretarem restrições à publicidade no âmbito de serviços contábeis pelo emprego de requisitos de conceituação ambígua e demasiadamente elástica, esta SEAE entende que os dispositivos ora em análise prejudicam a concorrência e geram desincentivos à eficiência econômica. Por um lado, se não se verifica, de forma conclusiva, a existência de relação entre restrição à publicidade e aumento da qualidade do serviço e, por outro lado, a literatura, e a própria tendência internacional de liberalização, sugere que a desregulamentação da publicidade no âmbito de serviços profissionais gera benefícios sociais, em especial redução dos preços.

Pela restrição à inovação e à concorrência, o parecer indica bandeira vermelha ao tema, indicando fortes indícios de presença de abuso regulatório que acarretem distorção concorrencial.

É indiscutível que o tema central do parecer do FIARC, neste caso, envolve dois aspectos: (i) prestação de serviços contábeis de forma online e, ainda, (ii) a liberalização da propaganda dos serviços oferecidos.

Pela própria OCDE, apenas a liberalização da propaganda para serviços contábeis, isoladamente considerada, permitiria ao Brasil melhorar sua pontuação para 3,14, o que lhe renderia o 42º lugar no ranking[1].

Além disso, saindo do cenário específico da regulamentação ética da contabilidade, a atual complexidade do sistema tributário contribui para maior demanda e para a elevação do grau de dificuldade na consecução de serviços contábeis.

Diante do cenário, o FIARC evidencia potenciais benefícios sociais decorrentes da flexibilização regulatória do setor: (i) diminuição de preços e (ii) melhoria do serviço prestado a ser adequado de acordo com a demanda do consumidor/cliente.

Essencialmente, ao restringir indevidamente, ou de forma desnecessária, a liberdade publicitária, a regulação gera por efeito que desincentiva ou impede a inovação e a construção de novos produtos a serem oferecidos pelos profissionais do setor.

Partindo da experiência estrangeira analisada pela OCDE, os serviços contábeis são objeto de desregulamentação em inúmeros países que a compõem. Acrescendo-se aos dados econômicos elencados pelo parecer, o FIARC indica que “(…) existem fortes indicativos que o nível das restrições publicitárias hoje existente não se coaduna com as práticas internacionais.”

E qual seria uma alternativa viável ao setor para propiciar respeito à livre iniciativa, atendendo o controle que cabe ao CFC? A alternativa indicada pelo FIARC é a transformação da metodologia de regulação: a transformação da regulação tradicional para a autorregulação, cujo objetivo é combinar o interesse público e a forte assimetria informacional existente com a necessidade de inovação do setor produtivo.

De forma clara, o parecer defenda que “(…) mesmo que não impositivas [as regras de autorregulação], caso em que o impacto sobre os preços seria direto e evidente, sua mera existência favoreceria a adoção de mecanismos de coordenação de preços entre ofertantes.”

Antes do parecer final, porém, há uma série de instrumentos que podem ser utilizados pela SEAE para promover a interação entre o regulador e o regulado. De início, há uma ampla divulgação da instauração da investigação aos interessados, com o convite para que se manifestem a apresentem suas contribuições. Essas contribuições são conformadas, dentro do procedimento, de diversas formas, tais como audiências e consultas públicas, debates, dentre outras.

É importante lembrar que a SEAE não possui competência sancionatória. Ao final da investigação, tão somente pode sinalizar, pelo sistema de bandeiras, a sugestão de revisão. Essa característica particular cria um cenário interessante e que demanda maior investigação científica, pois, apesar da inovadora dinâmica trazida pelo programa, nada garante que, ao final, o regulador reveja sua estratégia regulatória e promova, de fato, alguma alteração ou o estabelecimento de cooperação com Ministério Público Federal e o Cade.

Por um lado, há quem indique um aumento das demandas judiciais quando houver a classificação do ato como anticoncorrencial e não houver revisão espontânea por parte do regulador (o que não é necessariamente ruim, se isso promover uma regulação menos capturada e mais pró-competitivas). Por outro, essa inexistência de coerção permite enxergar a mesma situação por uma outra perspectiva:  como o regulador não é obrigado a promover qualquer no ato normativo, se o fizer, pode indicar aumento de responsividade entre regulador e regulado, o que pode ser positivo para aumentarmos a cooperação entre os setores público e privado no Brasil.

De toda forma, o referido parecer do FIARC sobre o tema da contabilidade evidencia o perfil de inovação e empreendedorismo no país e a necessidade de atualização legislativa e regulatória é constante para promoção da economia e do livre mercado. Melhoras podem ser implementadas, mas o vetor está correto.


[1] Atualmente, estamos no 44º lugar, de acordo com as informações indicadas no Parecer
do Processo Contabilizei Contabilidade Ltda vs Norma Brasileira de Contabilidade, NBC PG
01/2019. Disponível em https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/reg/frenteintensiva-de-avaliacao-regulatoria-e-concorrencial-fiarc/pareceres/2022-11-21_fiarc-parecercontabeis-v12-final.pdf


LUCIANO BENETTI TIMM – Mestre e doutor em Direito pela UFRGS. LLM em Direito Econômico
Internacional, Warwick. Pós-doutor em Análise Econômica do Direito pela Universidade da
Califórnia/Berkeley. Professor da FGV SP

MARIA CAROLINA FRANÇA – Sócia da área de Solução de Disputas e de Regulação Econômica do
CMT Advogados

PATRÍCIA ARANTES DE PAIVA MEDEIROS – Sócia do CMT Advogados

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O CMT Advogados ocupa posição de destaque e de liderança na área de direito empresarial, com uma crescente presença e distinção nos principais centros de negócios do país, sendo reconhecido pelas principais publicações nacionais e internacionais de rankings de escritórios de advocacia, tais como Chambers & Partners, Legal 500, Análise Advocacia e Chambers & Partners como um dos melhores escritórios de advocacia do Sul em direito empresarial.

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