Por Martha Macedo Sittoni
Em ano marcado pela pandemia, a concessão de auxílio-doença e aposentadoria por incapacidade permanente oriunda de transtornos mentais e comportamentais bateu recorde em 2020, somando 576,6 mil afastamentos, segundo dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho — uma alta de 26% em relação ao registrado em 2019, acionando o sinal de alerta para as empresas, no que se refere ao controle e cuidados de saúde com seus profissionais.
No caso do auxílio-doença, os afastamentos por causa de transtornos mentais, como depressão e ansiedade, registraram a maior alta entre as principais doenças indicadas como razão para o pedido do benefício. O número de concessões passou de 213,2 mil, em 2019, para 285,2 mil, em 2020, aumento de 33,7%, superando a alta nas concessões decorrentes de problemas classificados como osteomusculares e do sistema conjuntivo, como dores na coluna, artroses, lesão por esforço repetitivo (LER), entre outros, que estão na segunda colocação do ranking. Neste caso, o aumento foi de 28,8% entre 2019 e 2020.
Em que pese ainda seja cedo para estabelecer uma relação direta entre a pandemia e o aumento dos afastamentos dos trabalhadores, os números sugerem que as alterações de vida pessoal e profissional estabelecias para a contenção da Covid-19 está afetando a saúde física e mental das pessoas de modo geral. A expressão numérica de majoração dos benefícios é clara ao indicar que os trabalhadores estão adoecendo mais, e tal tendencia deve se repetir nos próximos anos.
Além da apreensão natural envolvendo a pandemia, o sistema produtivo mudou com as novas tecnologias e a consolidação do home office, gerando trabalhadores hiperconectados, em ambientes não preparados para o trabalho e, muitas das vezes, com jornadas exaustivas. Nem as empresas, nem a legislação trabalhista estavam preparadas para tão acelerada mudança.
Muitos trabalhadores tiveram pouco ou mesmo nenhum contato com a modalidade remota até o início da crise sanitária. A mudança de rotina ocorreu abruptamente fazendo com que fatores até então alheios às relações de trabalho, como a sobrecarga de tarefas familiares, passem a influenciar diretamente neste ambiente. A percepção da demanda excessiva se mostrou comum e preocupante após o início da pandemia, pois além da insegurança natural do momento, as principais áreas da vida do indivíduo estiveram em evidência com o acréscimo de necessidades e de tarefas e confluíram para a redução do bem-estar mental.
Nessa linha, o controle da saúde mental dos profissionais, bem como da adequação do ambiente de trabalho em home office são elementos salutares para a retenção de talentos, hoje perdidos em função de doenças ou mesmo de ofertas mais atrativas do mercado.
A Norma Regulamentadora 17, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, por exemplo, regulamenta a prevenção a doenças ergonômicas. É determinado que as empresas apresentem cuidados em relação à organização e instalação correta da mesa de trabalho, assim como à adequação da postura e à altura e distância do computador.
No que se refere aos quadros de transtornos de ansiedade, estes podem ter relação com sobrecarga quali-quantitativa em um ritmo de trabalho penoso. Assim, ao longo do tempo, se caracteriza uma falta de adaptação do trabalhador a tais condições estressoras laborativas, podendo gerar episódios de síndrome do pânico.
A Síndrome de Burnout, ou síndrome do esgotamento profissional, é um desfecho em saúde relacionado à exposição crônica a estressores ocupacionais. Tais quadros se caracterizam pela tríade exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional. Com a pandemia, este quadro de doença vem se agravando e gerando significativo volume de afastamentos previdenciários que, na prática, poderão ser relacionados ao trabalho, importando em responsabilidade econômicas significativas sobre os empregadores.
Em considerando, portanto, a necessidade de redução dos afastamentos por motivo de saúde, a manutenção da produtividade e, ainda, a manutenção de talentos, é importante que sejam estabelecidas medidas de promoção da saúde e prevenção de doenças.
Válido destacar que pesquisa feita com mais de 800 pessoas de todo o Brasil constatou que 91% dos profissionais empregados atualmente e que estão trabalhando em formato home office durante a pandemia, desejam ter a possibilidade de trabalhar de casa mais vezes com a retomada das atividades. Times que se adaptaram bem ao trabalho remoto dificilmente vão recusar uma boa proposta que tenha como benefício uma jornada flexível.
A pandemia acabou por oportunizar a avaliação das carreiras profissionais e eventual possibilidade de transição. Pesquisas indicam que 74% dos profissionais entrevistados estão preocupados com a perda de seus empregos, o que, por sua vez, desperta uma série de questionamentos particulares:
- 35% estão avaliando o equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, considerando seguir outras carreiras;
- Apenas 26% se dizem satisfeitos com a carreira atual;
- 20% confessam que os impactos da pandemia podem limitar a busca por novas carreiras, ainda que seja um desejo;
- 19% estão procurando um novo caminho profissional.
Os dados são indicativos de que as empresas necessitam encontrar maneiras de ajudar os colaboradores a manterem a conexão com as equipes, enquanto a saúde mental é preservada. É preciso considerar recursos e iniciativas alternativas que possam ser realizadas remotamente, como webinar sobre bem-estar, sessões de terapia on-line, cursos de gerenciamento de estresse, integrações on-line, dentre outros.
Adoecimento e rotatividade são fatores que prejudicam as empresas de várias maneiras: em custos financeiros diretos, em tempo perdido devido ao recrutamento e treinamento, reduzindo a produtividade, além de gerar impacto negativo na cultura organizacional e na marca empregadora.
Com isso, mostra-se importante que a empresa tenha consciência sobre o que pode acontecer em relação aso seus colaboradores. As práticas de acompanhamento da saúde dos trabalhadores dentro das organizações são, e continuarão sendo, cada vez mais necessárias para evitar o adoecimento, otimizar os tratamentos e, assim, reduzir os impactos dos afastamentos para os indivíduos, organizações e toda a sociedade.