Autor: Artemízia Patriota de Araujo Costa Almeida
Em recente decisão, o Supremo Tribunal de Justiça determinou que, em contratos de compra e venda de imóvel envolvendo garantia de alienação fiduciária devidamente registrado, o Código de Defesa do Consumidor não deverá ser aplicado. Reforçando a segurança jurídica nas relações imobiliárias, a corte determinou que seja observado o que dispõe a lei 9.514/17 no que diz respeito às hipóteses de inadimplemento do devedor, quando já estiver constituída a mora. A questão estava suspensa de acordo com o rito dos recursos repetitivos.
A divergência do tema se dava entre a aplicação do artigo 53 do CDC no lugar do que dispõe a lei n° 9.514/97, que regulamenta o Sistema de Financiamento Imobiliário e, por consequência, institui a alienação fiduciária.
O CDC, em seu artigo 53, previa a impossibilidade de retenção da totalidade dos valores pagos pelo consumidor, em caso de resolução contratual por inadimplemento, ou seja:
“Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado”.
Seguindo o disposto, a incidência do artigo 53 do Código de Defesa do Consumidor nos contratos com alienação fiduciária obrigaria a restituição de parte dos valores no caso de inadimplemento.
A questão gerou uma grande insegurança jurídica no mercado imobiliário, uma vez que compromete a essência da garantia prestada via alienação fiduciária, tendo por consequência um grande prejuízo para todas as partes. Isto porque, numa visão econômica, é óbvio que o aumento do risco por parte do credor implica o aumento da dificuldade de obtenção de crédito por parte do consumidor.
Por outro lado, a instituição da alienação fiduciária, por meio da lei que regulamenta o Sistema de Financiamento Imobiliário, permite a realização de financiamento imobiliário com garantia fiduciária. Ou seja, são liberados os valores que tem por garantia o próprio imóvel ou outro imóvel que o devedor seja proprietário. Assim, o credor passa a ter a propriedade resolúvel do bem até que haja o adimplemento integral do contrato.
Tal disposição minimiza o risco por parte dos credores, pois, no caso de inadimplemento, a propriedade é transferida para o credor, que é obrigado a devolver eventual valor excedente a dívida apenas após a realização da venda do imóvel nos leilões previstos em lei.
A aplicação do instituto da alienação fiduciária foi um grande marco para o mercado imobiliário, deixando praticamente em desuso o instituto da hipoteca. Em contrapartida, a disposição do CDC cria uma impossibilidade de restituição que não advém de cláusula, mas sim de legislação específica. E tal regra não pode prevalecer, já que é preciso ser respeitado o princípio legal da especificidade das normas jurídicas.
Neste sentido é que se justifica a presente decisão do STJ, para confirmar a tese de que “em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrado, a resolução do pacto na hipótese de inadimplemento do devedor devidamente constituído em mora deverá observar a forma da lei 9.514/17, por se tratar de legislação específica afastando-se a aplicação do CDC”.