Esta decisão coloca o Brasil em alinhamento com as práticas internacionais em termos de investigação de acidentes aeronáuticos. A legislação permite que a autoridade aeronáutica conduza investigações com o objetivo de prevenção de novos incidentes, enquanto as polícias e o Ministério Público focam nas responsabilizações civis e criminais.
Autor: Alexandre Lima
Em 14 de agosto de 2024, o pleno do STF, por maioria de votos, declarou constitucional a Lei 12.970, de 8 de maio de 2014, que definiu e incorporou a atuação do Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER) no Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer – Lei 7.565/1986).
A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi proposta pela PGR que questionava artigos da referida lei sobre o sigilo das informações no âmbito das investigações de acidentes aeronáuticos. Neste julgamento (ADI 5667 – Rel. Min. Nunes Marques), reconheceu-se que as investigações conduzidas pelo CENIPA, órgão do SIPAER, devem ocorrer de forma independente e paralela às investigações a cargo das polícias (Federal e Estadual) e do Ministério Público, sempre com o objetivo de prevenir acidentes.
A discutida Lei 12.970/2014 alterou a parte que trata das investigações de acidentes no Código Brasileiro de Aeronáutica (CBAer) e aproximou o Brasil da legislação internacional, na medida em que reiterou que o objetivo único da investigação de acidentes aeronáuticos é a prevenção de outros acidentes e incidentes.
Tal comando já se encontrava disciplinado desde a Convenção de Chicago sobre Aviação Civil Internacional de 1944, incorporada no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto nº. 21.173/1946, todavia as disposições CBAer até o advento da Lei 12.970/2014 pareciam ser insuficientes neste sentido.
A razão dessa ênfase no caráter preventivo das investigações aeronáuticas é clara: proteger o sigilo das fontes informativas para proveito das investigações, e, como regra geral, a vedação do uso das conclusões das investigações como meio de provas em processos judiciais, sobretudo criminais.
Afinal, tratando-se o acidente aéreo de uma tragédia de grandes proporções, o mais importante é a garantia de que a informação prestada durante as investigações não seja utilizada para fins probatórios e/ou persecutórios em processos judiciais e administrativos e que deverá ser sempre “espontânea e baseada na garantia legal de seu exclusivo uso para fins de prevenção” (art. 88 -I § 2º e 3º do CBAer) e não de punição.
Caso contrário, dificilmente as pessoas envolvidas na operação, fabricação e manutenção de aeronaves prestariam todas as informações necessárias que poderiam levar à conclusão dos fatores contribuintes para a ocorrência do acidente aéreo, auxiliando as autoridades para que este tipo de acidente jamais ocorra, e, por consequência, propiciando a contínua evolução da segurança dos usuários e da indústria aeronáutica.
Ao acolher a tese da AGU neste julgamento, o STF agiu corretamente. Conforme voto do relator, a Lei 12.970 está em consonância com as regras internacionais ao manter a apuração criminal pela autoridade policial e pelo Ministério Público separada da investigação do SIPAER, cujo objetivo e prevenir novos acidentes aéreos.
Este importante julgamento foi iniciado em setembro de 2021, mas voltou à pauta, em caráter de urgência, este mês após o acidente do dia 9 de agosto em Vinhedo/SP. A sociedade e o setor aéreo brasileiros, mais uma vez, esperam e confiam que o CENIPA, autoridade aeronáutica responsável pelas investigações, reconhecida internacionalmente pelo alto nível de seus integrantes e relatórios, consiga por intermédio de seus investigadores (e pelo sigilo das investigações garantido pela Lei 12.970) esclarecer todos os detalhes que levaram ao fatídico acidente com o voo 2283 da Voepass para que este evento jamais volte a ocorrer.