Por Cristiano Rosa de Carvalho
Com a eleição de Jair Bolsonaro para Presidente do Brasil, em outubro do ano passado, e a condução da Economia pelo Ministro Paulo Guedes, e, mais especificamente, da política tributária pelo Secretário Especial da Receita Federal, Marcos Cintra, algumas dúvidas e incertezas sobre os rumos da tributação passaram a se dissipar, ao menos em parte. Pela plataforma da campanha, e pelas declarações de Paulo Guedes até agora, sabemos que a tônica na tributação será reduzir (ou, ao menos, não aumentar) a carga tributária e simplificar o sistema. Para tanto, algumas medidas deverão ser tomadas em um futuro próximo.
O futuro, cabe dizer, não será tão imediato assim, considerando que a prioridade zero do governo é a aprovação da Reforma da Previdência, ficando a tributária para depois disso. Como a previdência deverá tomar boa parte de 2019, podemos esperar mudanças mais profundas na tributação a partir, com otimismo, do segundo semestre, lembrando que, em havendo mudanças constitucionais, serão necessárias aprovações de leis (federais, estaduais e municipais), que podem ter sua vigência premida para o exercício posterior (princípio da anterioridade). Daí a urgência na aprovação. Mas vamos às prováveis mudanças vindouras.
Vamos começar pelo que não virá. Independente do viés liberal do governo atual, especialmente na seara econômica, a tônica das futuras reformas é a busca pela eficiência, ou seja, obter maiores resultados com o mínimo de recursos. Nesse sentido, tributação sobre grandes fortunas está descartada, pois é notoriamente populista e ineficiente em termos arrecadatórios, além de gerar maus incentivos, resultando em fuga de capitais e de investimentos, e, em situações mais extremas, inclusive em fuga de contribuintes, pessoas físicas e jurídicas, que passam a ser residentes em países com tributação menor.
No que se refere à eficiência, o governo pretende reduzir os custos de conformidade e de transação enormes, que fazem do Brasil o país mais difícil do mundo para se cumprir obrigações tributárias (segundo o Doing Business Report, do World Bank), além da alta carga em si mesma. Portanto, eliminar tributos ou fundir vários em poucos, será um dos principais pontos da reforma, especialmente tributos sobre consumo. Uma das incertezas ainda reside aí, pois há mais de uma proposta em pauta. O CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), de São Paulo, apresentou a vários candidatos à presidência o interessante e bem desenhado IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que eliminaria tributos custosos como PIS, COFINS, ISS e ICMS, com alíquota única, e sem subsídios, isenções ou diferenciações setoriais, um dos grandes problemas do sistema tributário, incentivador de grupos de interesse, captura governamental, distorções e externalidades negativas para os demais contribuintes não pertencentes a grupos com poder de barganha. Todavia, também há proposta de um IVA (imposto sobre valor agregado) mais tradicional, nos moldes europeus, imposto já considerado velho e ultrapassado lá fora, incapaz de se adequar à realidade da economia digital. Outra proposta é a criação de um tributo sobre movimentações financeiras, similar à extinta CPMF, que causa resistência em vários setores, não obstante ser um dos tributos que mais se aproximou (simplicidade, custos de administração baixos, não setorialidade e alta arrecadação) do tributo “ótimo” (eficiência econômica). A regressividade da tributação brasileira sobre consumo é preocupação também, pois sempre puniu justamente os mais pobres, que pagam esses tributos embutidos nos preços dos bens e serviços que adquirem.
Quanto à renda, algumas “quase” certezas já se têm. Uma delas é a extinção dos juros sobre capital próprio, forma de distribuição de resultados aos sócios e acionistas dedutível do imposto de renda das empresas. Outra probabilíssima ocorrência será a revogação da isenção sobre distribuição de dividendos, bem mais polêmica, pois atinge a todas pessoas jurídicas. Criada em 1995 (Lei n. 9.249), durante o governo FHC, é mais uma das “jaboticabas” (além do Brasil, essa isenção existe apenas na Estônia) e teve por intuito fomentar a criação formal de pessoas jurídicas, concentrando a tributação da renda nelas (por meio do IR e da CSL), e isentando os sócios quando da distribuição dos lucros. Lembrando da lei econômica das consequências imprevistas, maus incentivos derivaram dessa isenção, como o surgimento maciço de pessoas jurídicas (“pejotização”), muitas vezes como forma de mero veículo para evitar a tributação da renda sobre pessoas físicas, cuja alíquota máxima de 27,5% supera a carga sobre empresas sob o regime de lucro presumido. Uma das propostas já mencionadas por Paulo Guedes é instituir alíquota única de 20% no IR e eliminar deduções, subsídios e isenções, tributar dividendos (talvez em torno de 15%), porém simultaneamente reduzir a carga sobre a renda das empresas, como ocorre em diversos outros países. Assim, surgiriam, por exemplo, incentivos para reinvestimento de lucros nas empresas e eliminação da pejotização. Novamente, a ideia é eficiência (com o flat ou “poll” tax) e redução de custos de transação.
Por fim, outro ponto importante deverá ser levado em conta, em futuro próximo: o paquidérmico processo tributário brasileiro, tanto administrativo quando judicial, um festival de ineficiência em todas as esferas federativas, municipal, estadual e federal. Só na esfera federal, estima-se um passivo em litígio na ordem de um trilhão de reais, com processos que tramitam por anos, às vezes por décadas, e cuja eficácia das execuções fiscais para conversão desses processos em receita para a Fazenda (quando vitoriosa) é de menos de 5%. Custos financeiros e de oportunidade absurdos, que poderiam ser reduzidos com formas alternativas de solução de disputas, como a transação (já instituída em alguns municípios) e arbitragem. Não custa lembrar que a mecânica do processo tributário incentiva autuações muitas vezes abusivas por parte das administrações tributárias, que por sua vez geram litígios intermináveis, resultando em atalhos arrecadatórios (como protesto de título, inscrição em cadastros de devedores etc.), e, por fim, periódicos “analgésicos” fiscais, na forma de planos de pagamento de passivos (comumente chamados de “REFIS”), o mais puro moral hazard que se conhece. Contribuintes devedores aguardam o governo instituir o próximo plano e o governo aguarda arrecadar com as parcelas de ingresso pagas pelos contribuintes (receita parcialmente responsável pelo superávit primário alguns anos atrás). Analgésico que será extinto, segundo declarações recentes da equipe econômica do governo, mas que precisarão ser acompanhadas de uma redução e racionalização profundas do sistema tributário brasileiro. Resta aguardar e ver.
O sócio Cristiano Rosa de Carvalho lidera a área tributária do CMT (Foto: Lenara Petenuzzo)