O transporte rodoviário é o principal meio de movimentação de cargas no Brasil, mas também um dos mais regulados. Entender as regras aplicáveis e as obrigações contratuais é essencial para evitar riscos e garantir conformidade nas operações logísticas de empresas embarcadoras e transportadoras.
Autor: Lucas Petri
As características de desenvolvimento econômico do Brasil fizeram com que grande parte do transporte de carga ocorra pelo modal rodoviário, tornando o contrato de transporte um dos mais utilizados pelas empresas. Essas mesmas características tornam igualmente os contratos de transporte um dos mais regulados no país, sendo importante, portanto, identificar as características particulares de cada operação para um tratamento adequado das obrigações e riscos envolvidos.
Os contratos de prestação de serviços de transporte rodoviário de cargas no Brasil são regulados principalmente pela Lei nº 11.442/2007. Esses contratos envolvem algumas características gerais, como registro na Agência Nacional de Transportes Terrestres (“ANTT”) para transportadoras, a emissão de documentos para cada serviço prestado, a contratação de seguros, os padrões mínimos de remuneração e a divisão de responsabilidades pelo cumprimento de normas de segurança, variando conforme o tipo de transporte contratado e a qualificação das partes envolvidas.
Em primeiro lugar, é importante diferenciar o transporte rodoviário nacional do transporte internacional. O transporte nacional, que ocorre integralmente dentro do território brasileiro, é regulado majoritariamente pela ANTT, com destaque para a Resolução ANTT nº 5.848/2019. O transporte internacional segue, além da Resolução ANTT nº 6.038/2024, acordos bilaterais ou multilaterais, como os do Mercosul, exigindo documentos adicionais como o Manifesto Internacional de Carga (MIC/DTA).
Em segundo lugar, é essencial diferenciar as categorias de transportadores previstas na Lei nº 11.442/2007: (i) a Empresa de Transporte de Cargas (“ETC”), que se trata de uma pessoa jurídica constituída para exercer a atividade de transporte rodoviário de cargas, devendo possuir pelo menos um veículo próprio e estar inscrita no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (“RNTRC”), na categoria ETC; e (ii) o Transportador Autônomo de Cargas (“TAC”), que é uma pessoa física que realiza o transporte com veículo de sua propriedade ou posse, limitado a até três veículos no total, registrado no RNTRC na categoria TAC. Essas distinções influenciam diretamente nas obrigações que devem ser cumpridas pela transportadora e, deste modo, exigidas pelos embarcadores, bem como na interpretação dos contratos em razão da presunção de níveis diferentes de autonomia econômica e capacidade de negociação.
Além das diferenciações acima, situações especiais, como o transporte de produtos perigosos – definidos como substâncias que representam risco à saúde, ao meio ambiente ou à segurança pública, a exemplo de explosivos ou químicos corrosivos –, vão exigir tratamento adicional pelos contratos, com inclusão de obrigações e mecanismos de monitoramento, tendo em vista as exigências de sinalização específica nos veículos, treinamento de condutores, licenças ambientais, além de possíveis restrições de horários e rotas.
Feitas essas distinções mínimas, a elaboração do contrato de transporte rodoviário de cargas passa pelos elementos nucleares do tipo, definindo com clareza o objeto do contrato, como natureza da carga, origem, destino, além da remuneração e demais obrigações acessórias.
No que tange à remuneração pelos serviços, o frete é o elemento central, usualmente calculado com base em fatores como distância, peso da carga e tipo de veículo, e deve, como regra, respeitar a “Política Nacional de Pisos Mínimos do Transporte Rodoviário de Cargas”, instituída pela Lei nº 13.703/2018. A falta de tratamento adequado deste tópico pode acarretar a nulidade de cláusulas do contrato. Adicionalmente, no tratamento dos custos de contratação deve ser considerado o chamado “vale-pedágio”, obrigatório pela Lei nº 10.209/2001, que deve ser antecipado pelo embarcador para cobrir custos de pedágios em rodovias concedidas. A forma adequada de antecipação é regulada pela ANTT.
Por fim, outras cláusulas importantes abrangem obrigações de responsabilidade pela integridade da carga durante o trajeto e, nessa linha, as cláusulas relacionadas à contratação de seguros e ao plano de gerenciamento de risco, além da fixação de acordos de níveis de serviço (SLA e lead times) e o monitoramento pelas embarcadoras da observância da legislação trabalhista pelas transportadoras.
Como alertado inicialmente, o contrato de transporte rodoviário de cargas é intensamente regulado no Brasil e exige, deste modo, um conhecimento das particularidades de cada operação para compreensão dos riscos e aplicação adequada da legislação.