Os Limites do Poder Regulatório da ANVISA na Propaganda de Medicamentos - CMT Adv - Carvalho, Machado e Timm Advogados
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Os Limites do Poder Regulatório da ANVISA na Propaganda de Medicamentos

Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconhece que a ANVISA, em relação à propaganda de medicamentos, não dispõe de competência normativa legisferante. Segundo o Tribunal, a ANVISA não pode legislar sobre questões não previstas expressamente na legislação vigente.

Autores: Andrey Vilas Boas de Freitas e Danielle Bittencourt Cruz

No recentíssimo julgamento do Recurso Especial Nº 2035645 – DF, interposto pela Anvisa nos autos de ação ordinária proposta por indústria farmacêutica o STJ apreciou questão relevantíssima para o segmento industrial farmacêutico – a regulação da propaganda de medicamentos.

Trata-se de tema antigo que, sem dúvida alguma, demandava um posicionamento expresso e definitivo do Poder Judiciário. A norma levada à apreciação no RE nº 2035645-DF é a Resolução-RDC nº 96/2008, ainda vigente, que revogou a Resolução-RDC nº 102/2000, e regula a propaganda de medicamentos.

Em decorrência da edição, pela agência, das citadas normas que regulam/regulavam a propaganda de medicamentos, inúmeros autos de infração sanitária foram lavrados ao longo das mais de 2 décadas de hercúleo trabalho da Anvisa. Houve, inclusive, a criação de uma gerência específica para tratar dos processos afeitos à propaganda na agência, extinta posteriormente.

Diante da fragilidade jurídica da regulação de propaganda, que desde o seu nascedouro gerou sérias críticas, foi editada e aprovada pelo então Advogado Geral da União, José Antônio Dias Toffoli, a Nota nº 1/2009/ORJ/GAB/AGU. Àquela oportunidade, a AGU consignou que a pretensão legisferante da Anvisa na regulação de propaganda encontrava vedação no artigo 220, § 3º, II § 4º, da Constituição da República.

Nada obstante o expresso posicionamento da AGU, a decisão revela uma contradição na postura da Procuradoria Federal que, inicialmente, reconheceu a ilegalidade da Resolução-RDC nº 96/2008 em 2009, mas posteriormente defendeu sua legalidade. Tal incoerência foi criticada por contrariar a orientação jurídica anteriormente emitida pela Advocacia-Geral da União (AGU), ressaltando a necessidade de maior alinhamento entre os órgãos jurídicos federais.

Decisão Judicial e Fundamentação

Após mais de 15 anos de longos e intensos debates, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu que, ao editar a Resolução-RDC nº 96/2008, a ANVISA excedeu sua competência normativa. A Lei nº 9.782/1999, que define as atribuições da ANVISA, limita a atuação da agência ao controle, fiscalização e acompanhamento da propaganda de medicamentos, sem a prerrogativa de editar novas normas restritivas. Em outras palavras, o STJ acolheu o entendimento de todo o segmento indústria farmacêutico e decidiu que a ANVISA não tem competência para definir regras sobre publicidade não previstas expressamente na legislação federal vigente.

Pontos Críticos da Resolução-RDC nº 96/2008

Avaliando minuciosamente os ditames da Resolução-RDC nº 96/2008, afastando qualquer lastro para evasivas quanto à limitação da competência legisferante da Anvisa nas questões afeitas à propaganda de medicamentos, o Tribunal identificou diversos aspectos da Resolução-RDC nº 96/2008 que extrapolam os limites legais, tais como:

  • a proibição de propaganda indireta, como o uso de marcas em filmes ou programas de rádio, foi considerada excessiva, pois não há previsão legal para tal restrição;
  • a proibição de imagens de pessoas utilizando medicamentos, especialmente quando essas imagens sugerem características sensoriais, não é sustentada pela legislação;
  • a exigência de advertências mais detalhadas do que as previstas na lei, incluindo a listagem das substâncias presentes nos medicamentos, ultrapassa a competência da ANVISA;
  • a proibição de expressões como “comprovado cientificamente” em propagandas de medicamentos isentos de prescrição foi considerada uma imposição indevida.

Necessidade de Atualização Legislativa

A decisão judicial destacou a importância de um diálogo institucional entre o Ministério da Saúde, o Congresso Nacional e a ANVISA para revisar e atualizar a legislação sobre a propaganda de medicamentos. Essa atualização é essencial para adequar a legislação às novas formas de publicidade e à evolução das técnicas publicitárias, como o merchandising e o puffing.

Além disso, o STJ destacou a importância de fortalecer a proteção à saúde pública, por meio de medidas mais eficazes no combate ao uso indiscriminado de medicamentos, impulsionado pela automedicação. Nenhuma dessas premissas, contudo, garantem à Anvisa o poder normativo expresso nas normas que regulam a publicidade de medicamentos editas pela agência.

É inequívoco que as Leis nºs 9.294/1996 e 9.782/1999 já estabelecem as balizas para a propaganda de medicamentos no Brasil. A primeira define as restrições e exigências para a publicidade, enquanto a segunda delimita as competências da ANVISA em relação à vigilância sanitária. A Resolução-RDC nº 96/2008, por vez, tal como ocorreu com a já revogada Resolução-RDC nº 102/2000, ao criar regras adicionais e mais restritivas, conflitava com as lei federais, resultando na sua parcial ilegalidade.

Propondo uma solução ao tema, o STJ sugeriu que a ANVISA, ao invés de criar normas que extrapolam sua competência, atue proativamente em conjunto com o Ministério da Saúde e o Congresso Nacional para propor atualizações legislativas que reflitam as necessidades atuais da saúde pública e da regulação sanitária.

Conclusão

A decisão no Recurso Especial Nº 2035645 – DF reafirma os limites do poder regulatório da ANVISA e evidencia a necessidade urgente de atualização legislativa sobre a propaganda de medicamentos no Brasil. Esse processo deve ser conduzido através de um diálogo institucional envolvendo os principais atores regulatórios e legislativos, garantindo assim a proteção à saúde pública sem comprometer os direitos dos consumidores.

Particular que pode gerar grandes debates e, quiçá, nova onda de judicialização repousa nos infindáveis autos de infração sanitária lavrados pela Anvisa e, em grande parte, já quitados pelos agentes regulados. Os processos representam valores expressivos e, com o advento desses precedentes, podem levar à questionamentos quanto à possibilidade de devolução das multas pagas, já que os atos estavam eivados por ilegalidade desde o seu nascedouro. Resta, assim, a reflexão: Como será o enfrentamento desse tema pela agência, empresas e Poder Judiciário?

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