As repercussões do parecer de Orientação nº 40 divulgado pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), no qual a autarquia estabelece entendimento acerca de ferramentas tecnológicas em uso hoje, oferecendo auxílio na compreensão das aplicações práticas de criptoativos e tokens em diversas áreas negociais. Leia mais!
Autores: Henrique T. M. Misawa e Amanda Belisario Dias de Souza
Introdução
Segundo a CVM, os criptoativos são ativos que possuem uma representação digital de valor, que podem ser transacionados e armazenados por meio de uma tecnologia de registro decentralizado (distributed ledger technology – DLTs ou “blockchains”).
Tal definição surge a partir do Parecer de Orientação nº 40 divulgado em 11 de outubro de 2022 (“Parecer 40”), em que a CVM consolida seus entendimentos atuais sobre a regulamentação de criptoativos (ou tokens). Nele, a Autarquia mostrou-se receptiva às novas tecnologias, que contribuem cada vez mais com a evolução do mercado de valores mobiliários. O documento em questão servirá de auxílio para esclarecer os limites de atuação da CVM, bem como garantir a integridade e aderência dos criptoativos aos princípios regulatórios em âmbito nacional.
É esperado que o fomento a essa tecnologia reduza o número de intermediários ou ao menos a sua relevância, permitindo uma maior liberdade de transação monetária.
Critério para caracterização de Tokens
No âmbito dos criptoativos e dos ativos digitais, um token é uma representação digital de um ativo ou utilidade que é emitida e registrada em um blockchain. Ele pode ter diferentes funcionalidades, como representar uma criptomoeda, um ativo financeiro, um direito de propriedade, um acesso a uma plataforma ou serviço, entre outros.
Sem prejuízo de futuras discussões conceituais sobre o tema, o Parecer 40 adota um conceito funcional para caracterização dos tokens, objetivando seu enquadramento jurídico:
- Token de Pagamento (cryptocurrency ou payment token): são representações digitais de informações de pagamento que permitem a realização de transações financeiras de forma segura e eficiente, ou seja, cumprem uma função de dinheiro eletrônico (e.g., Bitcoin, Etherium etc.);
- Token de Utilidade (utility token): são ativos para adquirir ou acessar determinados produtos e serviços que foram previamente financiados; e
- Token referenciado a Ativo (asset-backed token): representa um ou mais ativos, tangíveis ou intangíveis como participações societárias, imóveis, precatórios etc.
Criptoativos como Potenciais Valores Mobiliários
Conforme estabelecido por lei, o termo “valor mobiliário” engloba todos os títulos listados no art. 2º, I a VIII, da Lei nº 6.385/76[1] ou o título/contrato deve se enquadrar no conceito de contrato de investimento coletivo (“CIC”) (inciso IX do mesmo artigo). O conceito de valor mobiliário tem evoluído ao longo dos anos para englobar novos produtos/tecnologias desenvolvidas.
Segundo a CVM, um criptoativo pode ser considerado um valor mobiliário caso seja a representação digital de qualquer valor mobiliário, conforme a definição acima descrita. Especialmente, no caso dos CICs, a CVM afirma que aplicará o chamado Howey test[2] para averiguar se determinado criptoativo seria um valor mobiliário.
Valores mobiliários emitidos no exterior
O Parecer de Orientação CVM nº 33/05 prevê que (i) os valores mobiliários ofertados ao público, e (ii) os agentes que pretendam realizar a intermediação para os investidores no Brasil; devem ser registrados na CVM. Caso a oferta de valores mobiliários, emitidos no exterior, não atenda aos critérios acima, a oferta será considerada irregular.
O Parecer 40, por sua vez, esclarece que o papel da CVM consiste apenas em proteger os investidores de valores mobiliários, assegurando informações claras e consistentes sem interferir no exame de mérito das oportunidades de investimento oferecidas.
Fundos de Investimento
No contexto do Parecer 40, a CVM manteve-se consistente no que se refere ao seu entendimento sobre a possibilidade de outros fundos além dos Exchange Traded Funds (ETFs) em investir indiretamente em criptoativos, conforme já antes expresso no Ofício Circular nº 1/2018/CVM/SIN.
De todo modo, o gestor do fundo deverá avaliar o nível de divulgação de potenciais riscos ligados aos ativos, especialmente em se tratando de ativos baseados em novas tecnologias e produtos, que exploram a digitalização de conteúdo digital ou gráfico, a exemplo dos NFTs.
Tokens de Recebíveis ou Tokens de Renda Fixa como valores mobiliários
Em 04 de abril de 2023, a Superintendência de Supervisão de Securitização (SSE) da CVM publicou o Ofício Circular CVM/SSE 4/2023 (“Ofício SSE 4”), que objetiva orientar os prestadores de serviço de tokenização sobre a eventual caracterização de Tokens Recebíveis ou Tokens de Renda Fixa (TR) como valores mobiliários. A necessidade do Ofício SSE 4 é explicada pelo fato de que muitos tokens estavam sendo ofertados em plataformas “exchanges” e “tokenizadoras” com o apelo de investimento, sendo fundamental a orientação técnica sobre o assunto, para evitar irregularidades e desvios de conduta.
Como já havia sido indicado pelo Parecer 40, a CVM reforça o entendimento de que TRs deveriam ser classificados como valores mobiliários caso se enquadrem no Howey test. Nestes casos, seriam aplicáveis todas as regras de emissão e oferta sob as quais estão sujeitos os valores mobiliários. O Ofício SSE 4 também esclarece que determinadas ofertas públicas de distribuição de TR podem ser realizadas nos termos da Resolução CVM nº 88/2022. Nesse sentido, as ofertas de TR de até R$15 milhões podem ser enquadradas no modelo de Certificados de Recebíveis ou outros títulos e valores mobiliários de securitização da Lei nº 14.430/22, ou, ainda, de Crowfunding, sem registro na CVM, e administradas pelas plataformas registradas nos termos da Resolução 88/22.
Vale ressaltarque a sociedade de pequeno porte e a empresa de securitização devem seguir o modelo de escrituração nas hipóteses previstas pelos arts. 12 e 13 da Resolução CVM nº 88/22.
Conclusão
O Parecer 40 e o Ofício SSE 4 trouxeram a esperada confirmação do entendimento geral da CVM no que diz respeito aos criptoativos como valores mobiliários (ou não). Importante destacar que esse entendimento não é estático, mas desde já deve abrir espaço para novas oportunidades de investimentos e consequente avanço econômico do Brasil.
A CVM transparece ao público que está atenta ao mercado de criptoativos e continuará acompanhando as discussões sobre o tema para melhor experiência prática dos projetos aprovados, sem perder de vista o caráter de constante inovação da temática.
[1] “Art. 2o São valores mobiliários sujeitos ao regime desta Lei:
I – as ações, debêntures e bônus de subscrição;
II – os cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento relativos aos valores mobiliários referidos no inciso II;
III – os certificados de depósito de valores mobiliários;
IV – as cédulas de debêntures;
V – as cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos;
VI – as notas comerciais;
VII – os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários;
VIII – outros contratos derivativos, independentemente dos ativos subjacentes; e
IX – quando ofertados publicamente, quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo, que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros. (…)”
[2] O Howey test consiste em verificar se determinado ativo responde afirmativamente aos seguintes questionamentos:
(i) Houve oferta pública?
(ii) Investidores aportaram dinheiro ou outro bem suscetível de avaliação econômica em empreendimento coletivo?
(iii) Os aportes foram realizados com expectativa de lucros decorrentes do direito de participação, parceria ou alguma forma de remuneração?
(iv) Os resultados esperados advirão, exclusiva ou preponderantemente, dos esforços do empreendedor ou de terceiro?