Por Jéssica Nascimento de Lara
No dia 28 do mês de dezembro, o Poder Executivo Federal publicou a Medida Provisória (MP) 1.202/2023 com previsão acerca da revogação do PERSE. A partir de então, juristas do país inteiro travaram intensos debates, em especial, acerca da legalidade da norma. Antes de adentrar no mérito da MP 1.202/2023, necessário recapitular o que de fato se trata o PERSE.
O Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (PERSE) foi instituído no ano de 2021 pela Lei nº 14.148 com o escopo de minimizar os efeitos do isolamento social e quarentena enfrentados pelos setores de eventos e turismo durante a pandemia do COVID-19. Na prática, o benefício fiscal trouxe às empresas dos segmentos mencionados, o direito à adesão ao benefício de alíquota zero para os seguintes tributos: IRPJ, CSLL, PIS/Pasep e COFINS. Além disso, ficou estabelecido o período de 60 (sessenta) meses para a duração da redução de alíquota.
Ocorre que, passados pouco mais de 02 (dois) anos de vigor da Lei 14.148/2021, houve a publicação da MP 1.202/2023 que determinou o fim do benefício – antes do término de seu prazo legalmente previsto.
A partir de então passou-se a discutir acerca da legalidade da norma, uma vez que existe previsão legal, que proíbe a revogação ou modificação de isenção quando concedida por prazo certo e sob a demonstração do atendimento de determinadas condições, precisamente no artigo 178 do CTN.
O entendimento é de que esse seria exatamente o caso da Lei 14.148/2021, que previu a duração de 60 (sessenta) meses para o benefício no caput de seu art. 4º, além de determinar no § 5º do mesmo artigo de lei, a necessidade de preenchimento de determinadas condições para o gozo da benesse, por exemplo, estar a empresa previamente cadastrada no Cadastur, para o setor de turismo.
Não é a primeira vez que o Poder Executivo busca mitigar e/ou coibir a aplicação da Lei 14.148/2021. A lei que instituiu o PERSE deixou sob responsabilidade do Ministério da Economia a publicação dos códigos da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) que, se exercidos direta ou indiretamente pela pessoa jurídica, a classificariam como integrante do setor de eventos ou turismo e, consectário lógico, apta a fruir dos benefícios fiscais atrelados ao PERSE.
Assim, o que se sucedeu foram diversos atos ministeriais trazendo novos requisitos e condições – não previstas em Lei – para a plena utilização do benefício. A título exemplificativo, a Instrução Normativa (IN) nº 2.114/22 e a Medida Provisória (MP) nº 1.147/2022 (posteriormente convertida em lei, nº 14.592/2023) que fixaram requisitos inéditos à adesão à alíquota zero para as empresas dos setores de evento e turismo.
Devido à pressão dos beneficiários e demais interessados insatisfeitos com a revogação do PERSE, o Ministro Fazendário comunicou que o texto da Medida Provisória seria substituído por um Projeto de Lei (PL), o qual foi apresentado à Câmara de Deputados em 27 de março de 2024.
De toda forma, o PL nº 1.026/2024 também não agradou os contribuintes atrelados ao PERSE. Isso porque, assim como a MP 1.202/23, o projeto de lei previu a extinção gradual do PERSE, além de reduzir de 44 para 11 os CNAE’s abrangidos pelo programa e excluir as empresas do Lucro Real.
Nesse sentido, se verifica uma nova manobra de cunho puramente arrecadatório e com a finalidade não somente de reduzir a adesão ao PERSE, mas de o encerrar definitivamente, o que por certo, trará impactos financeiros de grande monta às diversas empresas que regularmente aderiram ao programa.
Outra preocupação advinda da norma revogadora do PERSE é que a conta pelo fim do benefício possivelmente não será paga somente pelos empresários, pois o valor dos tributos incidentes nas atividades tende a ser repassado para o preço final – pago pelo consumidor.
Não há dúvida de que a isenção, nos moldes preconizados pelo art. 178 do CTN, não é passível de revogação e esse é o entendimento da jurisprudência pátria, inclusive com manifestação do Superior Tribunal de Justiça. Entretanto, as discussões sobre o tema têm se demonstrado intensas, isso porque parte dos juristas compreendem que não seria o caso de invocar o art. 178 do CTN que proibiria a revogação do PERSE, pois não se trataria a “redução à alíquota zero” de isenção propriamente dita.
Para esses estudiosos, no caso da isenção, o contribuinte pratica o fato gerador do tributo, mas está dispensado de seu pagamento. Já na redução de alíquota, o tributo incide na operação, entretanto, com a aplicação da alíquota zero, não há qualquer valor a ser pago. Os efeitos práticos se demonstram idênticos, porém para aqueles que estão alinhados a essa compreensão, a revogação do PERSE seria legal, por tratarem a alíquota a zero e a isenção, de institutos distintos.
Aliás, esse é um tema fervoroso no judiciário, sendo certa a existência da controvérsia em inúmeros julgados, pois há decisões que aplicam o entendimento de que a alíquota a zero é uma espécie de isenção, enquanto outras defendem que são situações distintas. A doutrina também diverge sobre o ponto, o que gera uma maior desordem, de forma que os contribuintes ficam à mercê da linha de pensamento que determinado magistrado se afilia.
Aqueles que defendem a redução à alíquota zero ser uma “espécie” do “gênero” isenção, compreendem que, por se enquadrar ao tipo “isenção onerosa” – aquela que necessita a implementação de determinada condição para o seu gozo –, além do art. 178 do CTN, anteriormente mencionado, seria o caso também de aplicação da disposição contida na Súmula 544 do Supremo Tribunal Federal, que prevê que as isenções tributárias onerosas não podem ser livremente suprimidas.
Argumenta-se também acerca da inconstitucionalidade da norma e do projeto de lei, por ofensa ao princípio da Segurança Jurídica, pois a lei instituidora do PERSE, ao fixar a duração de 60 (sessenta) meses para o benefício, fez com que os contribuintes beneficiados elaborassem o planejamento financeiro de suas atividades incluindo a alíquota a zero para os tributos IRPJ, PIS/Pasep, COFINS e CSLL, o que ocasionou a quebra de previsibilidade e de confiança em razão da pretensa revogação do benefício enquanto ainda na vigência do prazo legalmente previsto.
Diante desse cenário incerto e profundamente controvertido entre os próprios estudiosos e tribunais, conclui-se que existem argumentos jurídicos para ambas as compreensões acerca da (i)legalidade e (in)constitucionalidade, seja da MP 1.202/2023, seja da PL 1.026/2024, que buscam a revogação do PERSE, sendo certo que o tema ainda gerará extensas discussões não só no executivo, mas também no âmbito judiciário, inclusive, houve o ajuizamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), nº 7.587, no Supremo Tribunal Federal, no sentido de buscar o reconhecimento da inconstitucionalidade do ato ministerial.