As reformas propostas visam esclarecer e simplificar a implementação do regime de multipropriedade em condomínios edilícios, resolvendo a controvérsia sobre o quórum necessário. A mudança traz maior segurança jurídica para administradores de condomínios e investidores, facilitando a adaptação de empreendimentos para esse modelo de negócio.
Autora: Gabriela Vieira Suzin
A multipropriedade, regulamentada pela Lei nº 13.777, de 19 de dezembro de 2018, é definida pelo Código Civil como “o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários de forma alternada”. Trata-se de um conceito jurídico contemporâneo, referente a uma prática amplamente difundida, especialmente em mercados internacionais, como na Europa e nos EUA.
Essa solução permite que os indivíduos compartilhem a aquisição de imóveis, como casas ou apartamentos, com a finalidade de uso compartilhado, muitas vezes para lazer. Assim, cada adquirente é titular de uma fração do imóvel, com direito ao uso por um período determinado, como algumas semanas por ano, sem a necessidade de arcar com o custo total do bem.
No âmbito dos condomínios edilícios, o Código Civil estabelece que esses empreendimentos podem adotar o regime de multipropriedade, seja de forma total ou parcial, nas unidades autônomas, desde que essa possibilidade esteja expressamente prevista na convenção de constituição do condomínio ou seja posteriormente aprovada pela maioria absoluta dos condôminos. Entretanto, a interpretação da norma tem gerado controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais, especialmente no que tange ao quórum exigido para a implementação do regime de multipropriedade.
A questão central reside na definição do quórum necessário: seria de 50% + 1 ou de 2/3 dos condôminos? Além disso, surge a dúvida sobre se deve ser considerado o total de condôminos ou apenas aqueles presentes na assembleia, o que tem gerado frequentes questionamentos sobre o procedimento correto para a alteração do regime condominial. Exemplo disso é o quórum previsto para a alteração da convenção condominial, bem como a mudança da destinação do edifício ou da unidade imobiliária, conforme o artigo 1.351 do Código Civil, que exige o voto favorável de 2/3 dos condôminos.
Tal exigência parece, à primeira vista, contraditória, visto que a instituição do regime de multipropriedade poderia ser aprovada com quórum inferior. Em face disso, o Projeto de Reforma do Código Civil (“Projeto”), em seu artigo 1.358-O, propõe mudanças na regulamentação dos condomínios edilícios, especialmente no que se refere à introdução da multipropriedade.
Caso o Projeto seja aprovado, a adoção do regime de multipropriedade nos condomínios edilícios poderá ser formalizada por meio de uma deliberação, registrada em instrumento público de retificação da instituição do condomínio, o qual deverá ser levado a registro. Se a unanimidade dos condôminos não for alcançada, o Projeto propõe que seja necessário um quórum qualificado para deliberar sobre a transformação do regime, será exigido o voto favorável de 2/3 de todos os condôminos e a deliberação será formalizada em ata, complementando o registro da instituição original do condomínio.
Em síntese, o regime de multipropriedade, ao possibilitar a utilização compartilhada de bens imóveis, representa uma importante inovação no direito imobiliário brasileiro, mas demanda um tratamento cuidadoso e preciso nas alterações normativas, a fim de assegurar sua viabilidade e aplicação correta dentro do ordenamento jurídico.
A reforma visa proporcionar maior segurança jurídica e uniformidade às decisões condominiais, além de tornar a adoção da multipropriedade mais clara, acessível e com menos impasses legais. Se aprovada, a mudança promete trazer inovação ao direito imobiliário brasileiro e facilitar a aplicação desse modelo, que já é amplamente utilizado em outros países.