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De 75% para maioria: quem controla as sociedades limitadas?

Sócios com mais de 25% do capital social podem ter perdido o poder de veto e sócios com mais de 50%, mas menos de 75%, podem ter conquistado o poder de controle. Sua empresa foi atingida pela nova lei, que alterou as regras de sociedades limitadas?

Autor: Giordano Andrei dos Santos

A Lei nº 14.451, de 21 de setembro de 2022, alterou os quóruns de deliberação em sociedades limitadas, reduzindo o tradicional quórum de 75% para as principais deliberações, para um quórum de maioria do capital social. Como principais implicações, nas sociedades limitadas cujos contratos sociais não previam quóruns específicos ou em que havia mera referência à lei, sócios com mais de 25% do capital social perderam o poder de vetar as mais substanciais deliberações e os sócios que detinham mais de 50%, mas menos de 75% do capital social, conquistaram, por mudança legislativa, o poder de controle. Dada a relevância de seus impactos, é esperado que a nova lei dê origem a conflitos societários.

Com a nova lei, as sociedades limitadas aproximaram-se do regime aplicável às sociedades anônimas, passando a adotar o quórum correspondente à maioria do capital social (ou cinquenta por cento mais uma do total de quotas) para as principais deliberações, como modificações do contrato social, designação e destituição de administradores e operações societárias. Especificamente, a Lei nº 14.451 alterou os artigos 1.061 e 1.076 do Código Civil, com o objetivo de facilitar a tomada de decisões em sociedades limitadas, tradicionalmente passíveis de bloqueio por sócios titulares de mais de 25% do capital social em deliberações que dependiam de ¾ do capital social.

Com o novo regime, também se alterou o quórum para a designação de administradores não sócios antes da integralização do capital social. Agora, não há mais a dependência de unanimidade, mas sim da aprovação de pelo menos dois terços dos sócios. O mesmo se aplica ao quórum para a destituição de sócios administradores, que deixa de exigir a aprovação por, no mínimo, dois terços do capital social e passa a requerer aprovação de mais da metade do capital social, exceto se houver outra disposição prevista em contrato.

De forma resumida, as modificações podem ser melhor visualizadas no quadro abaixo:

DELIBERAÇÕESQUÓRUM
Antes da Lei nº 14.451Depois da Lei nº 14.451
Aprovação das contas da administraçãoMaioria dos votos dos presentesNão alterado
Designação dos administradores, quando feita em ato separadoMais da metade do capital socialNão alterado
Destituição dos administradores e modo de sua remuneração, quando não estabelecido no contratoMais da metade do capital socialNão alterado
Modificação do contrato social¾ do capital socialMais da metade do capital social
Incorporação, a fusão e a dissolução da sociedade, ou a cessação do estado de liquidação¾ do capital socialMais da metade do capital social
Nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento das suas contasMaioria dos votos dos presentesNão alterado
Pedido de recuperação judicialMais da metade do capital socialNão alterado
Designação de administradores não sóciosUnanimidade dos sócios, enquanto o capital social não estiver integralizado e 2/3 dos sócios, no mínimo, após a integralização2/3 dos sócios, enquanto o capital social não estiver integralizado e mais da metade do capital social, no mínimo, após a integralização
Destituição de sócio nomeado administrador no contrato socialMais da metade do capital social, salvo disposição contratual diversaNão alterado
Demais casos previstos na lei ou no contrato, se este não exigir maioria mais elevadaMaioria dos votos dos presentesNão alterado

Um ponto fundamental em relação à alteração legislativa é o fato de que, conforme o art. 1.076, inciso III, do Código Civil, mantido inalterado, os sócios continuam podendo estabelecer quóruns mais elevados no contrato social (ou em acordos de sócios). Assim, nas sociedades limitadas cujos contratos sociais faziam mera referência à legislação aplicável ou eram simplesmente omissos em relação aos quóruns deliberativos, houve substancial alteração nas estruturas político-societárias. Nesses casos, sócios com mais de 25% do capital social perderam o poder de vetar as mais substanciais deliberações (modificação do contrato social, incorporação, fusão e dissolução da sociedade, assim como cessação do estado de liquidação) e os sócios que detinham mais de 50%, mas menos de 75% do capital social, conquistaram, por mudança legislativa, o poder de controle

À luz da nova regra, muitos especialistas vêm recomendando que os contratos sociais omissos ou com simples referência aos quóruns legais sejam revistos, para a manutenção das estruturas societárias inicialmente estabelecidas entre os sócios. Porém, considerando a mudança de controle promovida pelo legislador, como convencer aqueles sócios que, de majoritários passaram a controladores, a renunciar à vantagem atribuída pela nova lei e retornar à situação anterior, deliberando por uma modificação do contrato social que eleve os novos quóruns legais?

Sob a ótica da regra geral de aplicação imediata das leis estabelecida no art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (a “LINDB”), o tema já foi brilhantemente analisado por Henrique Arake e Marlon Tomazette, em artigo publicado no Portal Migalhas[1]. Com razão, os autores concluem que as deliberações tomadas em sociedades limitadas já constituídas não configuram ato jurídico perfeito, direito adquirido ou coisa julgada, de modo que, se o contrato social “não tiver nenhuma cláusula expressa quanto ao quórum de aprovação de suas deliberações sociais e apenas fizer remissão genérica ao texto legal, alterada a Lei, os quóruns também serão alterados. Por outro lado, se houver quórum definido expressamente em regra contratual, a Lei nova não o afetará, pois se trata de ato jurídico perfeito”.

No entanto, parece, no mínimo, questionável a possibilidade de o legislador simplesmente modificar a estrutura de poder em sociedades já constituídas, sobrepondo a vontade e as expectativas dos sócios, especialmente minoritários. É plenamente razoável supor que, até a publicação da Lei nº 14.451, o investidor que adentrava uma sociedade limitada o fazia com segurança, amparado pelo Código Civil, de que: a) tendo 75% do capital social, seria o controlador; b) tendo mais de 25% do capital social, seria um minoritário, mas com poder de vetar deliberações relevantes; ou c) tendo menos de 25% do capital social, estaria sujeito aos desígnios do(s) controlador(es).

Nessa realidade, com a nova lei, os principais prejudicados parecem ser os sócios enquadrados no item “b)” acima. Ou seja, aqueles que, com mais de 25% do capital social, detinham o direito de vetar determinadas deliberações e, por mera modificação legislativa e sem qualquer compensação financeira ou de outra ordem, simplesmente foram privados do poder que detinham. Sob tal contexto, é razoável esperar que os minoritários prejudicados venham a, dentre outros argumentos, invocar a Lei nº 13.874, de 20 de setembro de 2019, que instituiu a chamada “Declaração de Direitos de Liberdade Econômica” (passando, então, a ser conhecida como “Lei de Liberdade Econômica”), para contestar os impactos da alteração dos quóruns deliberativos nas sociedades limitadas.

Sendo a contratação de uma sociedade limitada verdadeiro negócio jurídico, sua interpretação, nos termos do art. 113, § 1º, do Código Civil, com a redação que lhe foi dada pela Lei de Liberdade Econômica, deve atribuir o sentido que corresponda, principalmente, “a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração” (inciso V). Assim, se um sócio ingressou em uma sociedade limitada com, ou, por qualquer motivo, passou a deter, mais de 25% do capital social até a vigência da nova lei, poderia argumentar-se que tais negócios jurídicos foram negociados sob a premissa de que detinham informações simétricas acerca das implicações societárias deste quórum.

É possível que esta questão ainda venha a repercutir no Judiciário ou em Câmaras Arbitrais pelo Brasil. Mas, por ora, a fim de evitar futuros conflitos o que resta é a recomendação de se evitar omissões ou meras referências à lei nos contratos sociais no que se refere aos quóruns deliberativos, a fim de se evitar surpresas em novas modificações legislativas.


[1] Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/depeso/374648/mudanca-de-quorum-nas-deliberacoes-da-sociedade-limitada >. Acesso em 28 de março de 2023.

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