Com o objetivo de tirar dúvidas sobre o que são casos fortuitos ou força maior e seus efeitos jurídicos, em um momento em que a sociedade enfrenta uma pandemia, os sócios Lucas Petri Bernardes e Cesar Santolim prepararam este conteúdo, com perguntas e respostas.
Por Lucas Petri Bernardes e Cesar Santolim
O que é caso fortuito ou força maior?
Eventos imprevisíveis ou incontroláveis pelas partes do contrato e que afetam a execução das obrigações assumidas. Embora exista alguma discussão sobre a existência de distinção entre os conceitos, de um modo geral há concordância de que, mesmo que se refiram a situações distintas, os efeitos jurídicos do caso fortuito e da força maior são os mesmos.
É importante considerar que o fato caracterizador do caso fortuito e da força maior deve ser externo à atividade desenvolvida por aquele que assumiu a obrigação. O chamado fortuito interno (que é inerente aos riscos do negócio, e deve ser considerado por ocasião dos contratos), não afeta a necessidade de cumprimento das obrigações.
Há necessidade de previsão no contrato?
Não é necessário prever ou regular para que seja possível o reconhecimento da situação. A eventual regulação contratual pelas partes pode contribuir para mitigar problemas, tendo em vista a variedade de situações e consequências que podem ocorrer, mas não é condição. É importante, contudo, avaliar com cuidado a legislação aplicável ao contrato para identificar eventuais diferenças em contratos internacionais ou exceções legais. Todavia, em certos contratos, é possível que o responsável pelo cumprimento da obrigação assuma (expressamente) o risco decorrente do caso fortuito e da força maior.
Quais as consequências jurídicas em caso de reconhecimento de caso fortuito ou força maior, para os contratos?
A principal consequência jurídica está na exoneração de eventual responsabilidade por inadimplemento de uma obrigação, ou seja, a parte inadimplente não responderá por prejuízos causados pelo descumprimento da obrigação. Vale lembrar que multas são fixações prévias dos valores de indenização por inadimplementos, portanto estão abarcadas pela exoneração. Salvo no caso em que a parte tenha assumido (expressamente, repita-se) os riscos decorrentes do caso fortuito e da força maior, o descumprimento que não lhe pode ser imputado (porque consequência de fato externo) ocasiona a extinção da obrigação, sem qualquer possibilidade de exigência (judicial ou extrajudicial) do seu cumprimento específico, ou de indenização correspondente. Cabe lembrar que, em se tratando de contratos bilaterais, a extinção da obrigação para uma das partes acarreta também a extinção da obrigação para a outra.
Alguns exemplos: impossibilidade de entrega de uma mercadoria no prazo combinado; suspensão da execução de serviços por incapacidade de mobilização de mão-de-obra; atraso de pagamentos em razão de indisponibilidade dos meios.
A situação com o COVID-19 (novo coronavírus) pode ser enquadrada na definição de caso fortuito ou força maior?Sim. A pandemia, conforme reconhecida pelas autoridades governamentais, nacionais e estrangeiras, pode ser entendida como um evento típico de caso fortuito ou força maior e será aplicável aos contratos celebrados antes de seu aparecimento.
O contexto da pandemia significa que as partes estão liberadas de suas obrigações contratuais?
Não. As consequências do evento devem ser verificadas na prática, sendo necessária a existência de impactos diretos na execução de cada uma das obrigações. O contexto da pandemia é geral, mas os seus efeitos devem ser avaliados caso a caso, por contrato e por obrigação.
A ocorrência de caso fortuito ou força maior pode ser causa de extinção de um contrato?
Sim. O contrato poderá ser extinto nos casos mais graves em que a impossibilidade de execução afetar a obrigação central do contrato (núcleo), especialmente quando não for possível a prorrogação do prazo para adimplemento.
Alguns exemplos: locação de espaço para evento que não pode ser postergado para data futura; compra de insumos essenciais para funcionamento de planta industrial e que acabam adquiridos de outro fornecedor.
Quais são as recomendações mais comuns para as situações de caso fortuito ou força maior?
Apesar de não ser essencial, recomenda-se que os contratos mais relevantes incluam regulamentação sobre caso fortuito ou força maior, especialmente para: a) definir algumas hipóteses que serão entendidas pelas partes como caracterizadores da situação e que poderão servir de parâmetros para avaliação de outras não expressamente previstas; é possível prever também aquelas que não serão, excluindo determinados eventos; nem todos os casos são tão claros quanto esse de pandemia; b) regular antecipadamente as obrigações de cada parte diante da ocorrência de caso fortuito e força maior.
Avaliar cada contrato, verificando aqueles que possuem regulação específica sobre o tema.
Notificar a outra parte, informando a ocorrência da situação e os impactos que já tenham ocorrido ou que são esperados paras obrigações do contrato. A avaliação caso a caso dos contratos poderá dizer se algum prazo ou formalidade devem ser seguidos.
A elaboração de adequados termos dos acordos pode auxiliar na mitigação de riscos. A situação de caso fortuito ou força maior não afasta a exigência de boa-fé objetiva e seus deveres correlatos, incluindo o dever de cooperação.
Em situações como essa, é razoável esperar um crescimento no número de ações judiciais, as quais serão efetivamente resolvidas somente muitos anos depois. A formação de precedentes judiciais pelos Tribunais estaduais e superiores costuma tomar um prazo não condizente com o dinamismo dos negócios.