Por Lucas Tavares dos Santos
Uma prática muito comum em diversos setores é a existência de acordos comerciais junto a fornecedores com previsão de descontos ou bonificações, a depender de atingimento de metas, números de pedidos, ou até mesmo relacionados ao efetivo sucesso das revendas do produto, por exemplo. Nestes acordos, o Comprador (Revendedor) acaba recebendo um desconto ou bonificação após a efetiva compra, que muitas vezes repercute no abatimento de um valor devido pelos produtos junto ao Fornecedor, ou redução percentual do preço sobre esses. O Fisco, sempre muito atento a essas situações, possui o entendimento de que tais descontos/bonificações devem ser interpretados como “receitas” para fins de inclusão na base de cálculo do PIS e da COFINS.
Até então, eram raras as situações em que o contribuinte conseguia sustentar a não incidência das contribuições, pois, em suma, apenas os descontos incondicionais eram excluídos da base de cálculo (art. 1º, §3º, V, alínea “a” das Leis nºs 10.637/2002 e 10.833/2003). Os descontos incondicionais seriam aqueles devidamente formalizados de forma prévia entre as partes e sem qualquer condição a ser cumprida pelo pagador para obtenção do desconto. Por outro lado, os demais descontos especiais na relação entre Fornecedor/Comprador (objetos desta reflexão), como os descontos “pós-venda”, costumam ser interpretados como um aumento do patrimônio líquido no Comprador (reflexo contábil) e, assim, adentram ao campo de incidência do PIS e da COFINS – o que já foi objeto de inúmeras autuações fiscais por parte da RFB e diversos julgados no CARF.
Recentemente, surgiram no mínimo dois precedentes no Judiciário que parecem contrapor ao entendimento antes considerado “pacífico”. O primeiro, proferido pelo TRF/4 (5052835-04.2019.4.04.7100), avaliou um Auto de Infração lavrado pela RFB em desfavor de uma famosa rede de supermercados, que, conforme as autoridades fiscais, recebia descontos de seus fornecedores a depender de algumas metas/condições definidas contratualmente. Ao receber os descontos no momento “pós-venda”, o Contribuinte acabava reduzindo parte do custo/valor devido ao Fornecedor, gerando assim uma variação positiva entre o valor dos produtos nas notas fiscais e o valor efetivamente pago, o que acabou sendo objeto da exigência fiscal de tributação do PIS e da COFINS sobre tal diferença. No entanto, o TRF/4, por maioria, julgou pela anulação do Auto de Infração sob o entendimento de que “descontos” não deveriam constituir “receitas”, aliás, pelo contrário, pois “descontos” seriam a antítese de “receitas”.
Além do resultado, o que chama atenção é que a decisão enfrentou diversos pontos sensíveis e controversos, mas partindo sempre do devido conceito constitucional sobre “receitas” e “faturamento”, preocupada com o “alargamento” da competência tributária do art. 195, I, alínea “b”, da CF. Citando o precedente do RE nº 150.764, em apertada síntese, a decisão adotou o conceito de que “a receita é um ingresso financeiro positivo que se integra ao patrimônio”. Contudo, o desconto na aquisição de uma mercadoria implicaria em redução do seu custo, ou seja, redução de uma despesa para o Comprador – e não em ingresso de receitas para o Comprador. Em outras palavras, o entendimento é resumido da seguinte forma no acórdão: “As contribuições devem recair sobre as receitas incorporadas ao patrimônio com as vendas das mercadorias e não sobre as receitas dele desincorporadas para cumprir a obrigação contratual da compra de mercadoria”. Igualmente, o acórdão sustenta que mercadorias entregues em bonificação não devem ser consideradas “receitas”, mas apenas o faturamento obtido com as suas revendas. De fato, ainda que seja reconhecida a existência de um aumento do patrimônio líquido do contribuinte em tais casos, a redução do custo de aquisição, ou recebimento de mercadoria em bonificação, não representam ingresso de caixa/receitas no que tange ao Pis e à Cofins, pois, tais contribuições não incidem sobre “variação patrimonial positiva” – o que pode ser interpretado de forma distinta para fins de IRPJ/CSLL, por exemplo, que incidem sobre “acréscimo patrimonial”.
Trata-se, em verdade, de uma dualidade a respeito da interpretação pelo âmbito contábil, na qual é inegável o aumento do patrimônio líquido do Comprador ao receber tais descontos, e a interpretação jurídica a respeito dos precedentes que se debruçaram sob o conceito constitucional de “faturamento” e “receitas”, na qual é necessário se manter rígido ao respectivo fato gerador e campo de incidência das contribuições. É simples lembrar que a própria legislação sobre as referidas contribuições reforça que a incidência deve repercutir independentemente de sua denominação ou classificação contábil. O referido processo ainda deverá se alongar nos Tribunais Superiores, todavia, por outro lado, o ponto de maior controvérsia e de difícil solução ao Contribuinte nesta matéria é a reflexão a respeito do montante de crédito a ser tomado a título de PIS e COFINS sobre o referido custo de aquisição da mercadoria: se sobre o valor total da nota fiscal do produto, ou somente sobre o valor efetivamente pago, que foi reduzido pelo desconto. No caso em apreço, o TRF não foi taxativo neste ponto, pois não teria sido fundamento da autuação fiscal, porém, alguns trechos da decisão demonstram o entendimento de que o crédito deveria representar o valor efetivamente pago.
Por fim, nesta mesma linha argumentativa a respeito da devida incidência do PIS e da COFINS, outro julgamento foi proferido pelo TRF/5, a fim de afastar a tributação sobre valores devolvidos a título de “hold back” no mercado automotivo (devolução de valores pelas montadoras às concessionárias). Em geral, trata-se de um sobrevalor pago pelo Concessionário no momento da aquisição dos veículos para revenda, cujo montante é direcionado a uma espécie de “fundo de aplicação financeira”, que após a venda do veículo é devolvido ao concessionário pela manutenção do bem no inventário, reduzindo assim o custo de aquisição originário. A RFB e o CARF possuem entendimento majoritário de que tais “devoluções” representariam ingressos de receitas novas aos Concessionários, ou que não se enquadrariam como “descontos incondicionais”, devendo, assim, ser tributadas pelo PIS e pela COFINS em ambos os casos. A princípio, o julgamento recente do TRF/5 é um tanto inédito, mas representa um entendimento similar a decisão anterior a respeito dos descontos recebidos pela rede de supermercados, pois, o racional aplicado parte da mesma premissa de que, em sendo uma redução de custo de aquisição, não deve ser interpretado como receita/faturamento. No caso específico do “hold back”, haveria também uma peculiaridade, pois há uma parcela de juros integrada ao valor devolvido, a qual deveria ser contabilizada e tributada normalmente.
Dito isso, diante de dois precedentes importantes a respeito do enquadramento de “descontos / bonificações” comerciais, é possível visualizar que, em breve, a matéria deverá ser enfrentada com maior profundidade pelos Tribunais Superiores, afinal, a repercussão é enorme em razão das inúmeras discussões administrativas sobre o tema e o desfecho ainda incerto. No momento, as decisões neste sentido ainda representam um pequeno número, mas devem ser recebidas como um forte subsídio de dois Tribunais Federais aos contribuintes para evitar o alargamento do fato gerador das referidas contribuições.